sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Yellow Freedon

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Ao Meu Overjoyed, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida “Menino do Rio”, versão de Caetano Veloso


Ele corria de um lado para outro. Sorriso largo, olhos fechados. Os cabelos em desalinho e as roupas remexiam-se ao sabor do vento. Os pés descalços venciam o chão pisando na grama de onde emergiam delicadas flores brancas. Ele parecia feliz. Não uma felicidade fabricada, pensada. Ele era livre. É livre. A felicidade ali tinha vida própria e ele a convidou gentilmente para fazer parte dos seus dias. Sentei em um banco próximo e fiquei observando aquele garoto se movimentar e as formas de fazê-lo. Desde o primeiro segundo que o vi, esse foi o meu desejo. Tive medos, outrora, de que minhas vontades fossem apenas uma tentativa vã de manipular aquele menino e torná-lo o que eu gostaria de ver, mas, tão rapidamente o vi falar e olhar, percebi que eu jamais conseguiria fazer isso. Emergia dele uma força sublimada e uma candura escancarada que eu não entendia e que me deixavam desconcertada. Ele me emudecia. Tudo nele era muito: os desejos, as palavras, os sorrisos, os abraços e afagos. Perto dele eu me perdia e não conseguia achar espaço para mais nada a não ser a contemplação. Não era o fato de aquele menino ser simplesmente uma construção arquitetônica bela. A beleza tinha nele uma expressão contemporânea muito mais imbricada de uma disparidade que tentava unir a força do Davi e a leveza de Afrodite. Assim o era também a sua presença: levemente doce, como a brisa em um fim de tarde, e agressivamente forte, com os furacões. Sua presença e sua ausência deixam na boca um gosto de desejo e saudade, respectivamente, e eu sabia, no fundo, que aquela colcha de retalhos deveria ter falhas na sua costura, mas, quando ela estava estendida era de tão boa contemplação, que eu não tinha vontade alguma de procurá-las.
Quando sai do transe em que me encontrava, me dei conta de que ele já estava longe. Desceu correndo com uma pipa em punho e aquela imagem do entardecer com os mais variados tons de amarelo moldaram um retrato comovente. Acho, honestamente, que ele não se deu conta de que eu estava observando. E, caso tenha se dado, isso não pareceu fazer diferença alguma.
Quando cansou, voltou para próximo do lago, molhou os pés na água. Deixou a pipa escanteada. O que antes seu objeto de desejo e felicidade, agora não passava de um amontoado de papel e linha. Ficou agachado um tempo, observando o efeito do sol na água, deixando rastros de gotículas douradas. Desejei visceralmente descobrir o que aquele silêncio velado escondia, mas, jamais ousaria perguntar. Sempre tenho medo das ausências, porque elas escondem ou aquilo que não pode ser dito ou que não se sabe existir. O que eu ouviria se ele resolvesse gritar aquele silêncio eu jamais saberei e aquela imagem dele tão contemplativo não merecia ser rompida.
Repentinamente, ele levantou-se. Caminhou em minha direção, agachou-se entre minhas pernas. Tocou meu rosto com ambas as mãos, arrumou meu cabelo que o vento desrespeitosamente desalinhou e me olhou de uma forma tal que eu não poderia descrever. Me senti envolvida por aquele garoto, por aquele menino, por aquele gesto tão generoso e simples. Ele se aproximou mais, esfregou o rosto entre os meus seios e me abraçou. Nada disse. Sem saber o que fazer com minhas mãos, eu o envolvi. Ele se aconchegou no meu colo e depois sentou-se ao meu lado olhando para o lago. Pegou minha mão e a apertou. O que senti naquele momento, não posso precisar. Ele tinha esse dom de me deixar sem palavras. Ele era o dono da mais desconcertante capacidade de remexer as minhas entranhas apenas com o olhar e injetar em mim um furacão capaz de me revirar do avesso no mais absoluto silêncio.

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