terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ponto Luminoso


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Ao meu Blueberry Bee, DEDICO
Trilha Sonora Sugerida "Três" Ana Carolina







Noite escura, descortinada por um punhado de luz qualquer, envolta em um vento frio vindo do alto mar. Areia fina, ligeiramente morna, pele quente, uma lua que ensaiou um desabrochar tímido, mas recuou logo em seguida. Olhos ávidos, desconfiados, braços cruzados, roupas leves, molinhas, boas de serem apalpadas. Ele é festa de sons, de cheiros e eu apostaria, de gostos, também... aventuras desmedidas, linguagem cifrada, pele, corpo, um bocado de saliva... Eu arfo... Delícia de homem, qualquer uma diria. De fato ele o é. Uma combinação harmônica de arranjos e desarranjos de lamber os lábios como faz uma criança ao saborear sorvete em dias quentes de verão.
Confesso, naquele momento, um incomodo que não durou mais do que os minutos em que ele se prostrou diante de mim sem cerimônia ou pudor algum. Ele é essa medida incalculável de um dar de ombros, com sorriso escancarado como as portas de sua vida que ele abriu pra mim. E, mesmo assim, senti uma mistura de coisas que eu não poderia classificar... parafraseando a modinha adolescente, [...] ele é um predador nato, porque tudo que há nele é pensando para capturar a próxima vítima: um cheiro bom que se espalha pela epiderme, uma beleza desconcertante e uma conversa limpa e devassa que nos envolve antes mesmo que percebamos.
Eu teria cavalgado no colo dele e repousado minhas mãos em seu rosto enquanto tentava entender aquilo que foi silenciado e que eu não consegui ler nas entrelinhas. É óbvio que ele não é aquela junção de águas mornas em uma tarde lânguida de outono. Dele emana um turbilhão que pode ser visto na brasa dos olhos, com fomes não saciadas e paladares que ele não compreende. Me assusta perceber que ele é, hoje, uma necessidade urgente e voraz de degustação. A vida e as pessoas são, na perspectiva dele, fast foods que ele devora aos montes, provando cada coisa com tudo o que tem: boca, língua, pele, sexo, mãos, olhos, instintos (e até a falta dele), criando um sétimo sentido altamente especializado para esse fim. Ao mesmo tempo, há nele uma doçura que ele teima em camuflar. Como em um baile de máscaras, as roupas são trocadas e o cavaleiro põe sua armadura. Ali, atrás do metal pesado, ele não pode ser visto ou julgado e desfila entre os seus súditos como um (anti)herói.
Queria tirar essas roupas, sua segunda pele, e ver o que há por baixo de tudo aquilo que o envolve. Despido, vulnerável, ele se aninharia entre meus seios, se faria cobertor em meu corpo sem lascividade alguma, apenas para permanecer em cada recôndito da minha presença que ele julga protetora. Com minha pele se fazendo dele, ele me contaria seus segredos e depois adormeceria em silêncio, talvez enroscando nervosamente os dedos em meus cabelos. Nesse momento, o menino por trás do homem surgiria como que depois de uma gestação não de nove meses, mas apenas o tempo de uma confiança mútua ser gestada e parida.
Certamente eu ficaria com as palavras embrulhadas na boca, correndo de um lado para outro, me impedindo de juntá-las para formar as frases que eu deveria, ao menos, balbuciar naquele momento. Faltariam pernas ágeis para a minha língua alcançá-las. Ousaria, no máximo, ser contemplação. Olhar para ele despido dormindo entre meus seios, ventre, coxas e penas e espalhado por todo lugar como se tivesse comprado cadeira cativa em cada centímetro da minha pele. O contorno dos lábios, olhos, boca, mãos, músculos e os arabescos que os cabelos dele formam. Tudo me chamava a atenção naquele momento em que ele se portava como um encantador de serpentes. E eu pensei mais uma vez: delícia de homem...
Tentei ter a leveza de um punhado de algodão e o silêncio dos mosteiros incrustados em vales no meio do nada. Não queria que ele acordasse, sequer, o tempo necessário para mudar de posição. O queria em meus braços exatamente daquele jeito, mesmo pesando e desenhando caminhos vermelhos em minha pele branca. Aquela serenidade que eu observava era contraste com a efusão dos dias se sol, assim como era a delicadeza de um Monet e a força de um Rembrandt.
Apenas naquela fração de segundo, entendi que aquele era o grande segredo daquela alma doce e atormentada pela maldição da inquietude: quem sempre teve tudo e mais, também quer o pouco e o menos, um porto onde ancorar e recolher suas velas, até que novos portos mais sinuosos e atrativos pudessem ser riscados no mapa. E ele, como o capitão de um navio pirata, amará uma única mulher que deixará esperando enquanto visita outras camas, sexo, línguas e coxas para só depois voltar para os braços maternais que o envolverão enquanto ele faz amor com a força e a serenidade que oscilam nele.
Aquelas areias finas presenciaram um punhado de lágrimas descerem em meu rosto como a água das cachoeiras se lança no vazio. Iluminados pelo ponto luminoso da lua em uma noite caprichosamente discreta, eu teria feito amor com ele ou dançado um tango de Carlos Gardel porque essas eram as únicas coisas em que eu poderia imprimir força, e raiva, e afeto e desejo e a paz que emanavam das minhas entranhas. Em meu colo um homem que qualquer mulher iria querer entre suas pernas e eu só enxergava o menino, um pretenso amigo e companheiro. Então, fechei meus olhos e adormeci naqueles braços que me davam a sensação de que nada poderia me acontecer enquanto eles estivessem envoltos em mim...



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