sábado, 20 de agosto de 2011

Meu Corpo é Dele




Ao meu Samurai, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida "Set Fire to the Rain", versão Adele.



[...] madrugada fria...
Pensar e observar o que está posto ao nosso redor quando uns graus Celsius são retirados do ar ambiente é mais contemplativo... naquela madrugada, naquele lugar, com aquela luz se fazendo um feixe discreto escapando para dentro do quarto por uma frestra da persiana, a temperatura baixa seria uma segunda pele açoitando meu rosto, mãos e pés. Ele estava deitado na cama, despido, envolvo por uns poucos centímetros de lençol que cobria-lhe parte das coxas. Contemplar aquele homem nu, entregue, silencioso em seu sono descuidado, era como passear por uma enseada. Pensei que contemplação fosse a palavra mais adequada já que há muito de divino nela e, consequentemente, na perfeição do desenho de seu corpo, boca, olhos e tudo o mais que se lança desaforadoramente para os que cruzam seu caminho. Com um pouco mais de lascividade, os resultados seriam sexos úmidos e paus em ristes para os desavisados que o veem pela primeira vez. Ele é obscenamente delicioso. Cada centímetro de pele dele cobre um outro centímetro de luxúria. Ele implora sexo na maneira como caminha, como dança, como movimenta os braços, como grita um palavrão dos mais politicamente e aceitavelmente corretos aos mais retaliadamente refutados. E ele tem aquele cheiro bom de homem que a gente arfa enquanto abraça, transa ou simplesmente se está perto para captar quais as notas de almíscar, canela, carvalho e pele estão presentes. Ele não é um homem para se comer com 200 talheres, porque essas duas centenas só levam o baquete à boca. Ele é o tipo de homem perfeito para ser devorado com talheres e toda a prataria sofisticados deixados no armário. Requinte não é pra ele. Mãos, boca, pés, braços, seios, saliva e dentes são mais adequados e nem há de se pensar em infringir as boas regras da etiqueta.
Enquanto pensava em todas essas coisas, ele se mexeu. Mudou de posição e agora o que ficava visível era seu sexo e o peito, com o feixe de luz apontado para seu rosto. Uma cena poética, pensei. Um tanto de homem e outro de menino. De santidade e de pecado. De me devora e de me abraça. Um contraste inquietante. Na minha divagação, não medi o tempo. Nem o barulho que eu podia estar fazendo. Nem o quanto mais a temperatura caia. Queria sentir aquele homem e, ao mesmo tempo, nada fazer. Queria de novo aquele beijo entre línguas e harmônico que demos outro dia, de maneira súbita, com mão na nuca entre fios de cabelo. Mas também só tocar seus lábios e captar um resquício de saliva que tivesse ficado ali. Nem sei se queria aquele homem entre as minhas pernas se fazendo um peso vivo e inquietante, mas o queria envolto em meu corpo para dormirmos e aquele frio passar.
Ali, prostrado diante de mim, havia tudo isso e mais uma infidade de coisas que eu não saberia descrever. Mas, as duas coisas mais importantes e lindas que hão nele estavam silenciadas. Os olhos semi-cerrados e brilhosos que despontam cada vez que a felicidade brota de seu poros é algo indescritível, assim como a boca e o sorriso escancarado de quem é feliz e sabe ser feliz. Naquele momento, ao lembrar de seus olhos e sorriso enquanto ele dança, ri baixinho. Pensei que eu poderia ficar ali a noite toda só observando essas coisas, mas, ele acordou num lampejo de movimento. Não se mexeu ou se cobriu ou fez algo brusco. "Há quanto tempo você está aqui?", perguntou. "Tempo suficiente pra te olhar, analisar, enxergar", respondi. "E a que conclusão chegou?", me ingadou. Parei por um instante e pensei o que deveria responder e optei pela delicadeza de sua alma.
"[...] que és lindo. Que tens uma doçura e uma lealdade emergindo dos teus poros que posso rastrear a quilômetros. Que há muito de divino e de maldito em você e que é esse contraste a tua beleza. Que você não é feliz todo o tempo porque nem sempre tem o que deseja e porque há uma inquietude da tua alma de nunca se satisfazer com o que está posto, pronto, óbvio, mas que você sabe exatamente aproveitar os momentos em que tua guerra interna se abranda e a gente enxerga esse acordo de paz interno na tua felicidade estampada com direito a cartão de visistas. Que você é sexo sempre, e muito, e tanto e sempre, mas, sobretudo, é amor numa proporção indizível. Que você é homem e menino. Certezas irrevogáveis e dúvidas cruciais. Que você é a arte de cuidar e entrega para ser cuidado. Que você é o beijo delicioso e o abraço acolhedor. Que você é extremos procurando o meio-termo, mesmo sem ter certeza de que deseja encontrá-lo e de que estar no prumo é tua salvação".
Ele se levantou com os olhos marejados. Não sei se nada disse por não saber ou não conseguir dizer. Me tomou pelas mãos e me abraçou despido. Abraçou com uma força que me deixou sem ar, me apertando contra o peito, coxas e me segurando pela nuca como se esperasse que pudesse me guardar dentro de si se imprimisse mais força. Me segurou pelas têmporas e olhou dentro dos meus olhos com o cenho franzido e, naquele minuto, senti medo por não saber o que ele pensava. Me fitou por quase um minuto e me beijou com lábios entreabertos e olhos vidrados. Não reagi simplesmente por não saber o que fazer. Parado em minha frente ele me despiu tirando cada peça de roupa com pouca delicadeza enquanto me olhava nos olhos e eu sabia que não havia lascividade alguma no seu ato, por isso mesmo, meu medo: eu não imaginava o que ele estava fazendo ou pensando. Quando terminou, se prostrou diante de mim e me disse: "sou teu muito mais do que fui de qualquer outra pessoa nessa vida, porque foi você quem me virou do avesso para me ler nas entranhas". Quando ele terminou, eu havia entendido o que tudo aquilo significava. O puxei pelas mãos e conclui: "sou tua porque nunca houve alguém que tenha me despido e me olhado de frente, sem pensar em nada a não ser no momento, no amor e na amizade como você acabou de fazer. Sou tua porque há formas de amor que são incompreensíveis quando a gente encontra um pedaço de nós em um desconhecido e passa a se reconhecer nele. Sou tua porque sei que aqui, diante de mim há, para além de qualquer maldade, um amor de verdade, uma alma similar e um carinho de irmãos".
O tomei pelas mãos mais uma vez, carreguei para cama e deitei. Senti o peso do seu corpo sobre as minhas costas, pele com pele, seu sexo repousado nas minhas nádegas e coxas, e o frio daquela noite ir se abrandando e adormeci sentido sua respiração no meu ouvido e o estalar de beijos eventuais na minha bochecha...