terça-feira, 8 de novembro de 2011

Muito além do Querer




Ao meu Diamante, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida "Make you feel my Love", versão Adele



Há muitas formas de se tocar alguém... Pessoas são mesmo parecidas com tecidos: umas mais delicadas, permeáveis, outras mais resistentes. O mistério parece ser, apenas, achar o ponto certo para não afogar ou deixar desidratar até a morte. Para pessoas inábeis como eu com as palavras, os gestos, com os afetos, essa busca é como desbravar mares revoltos em uma jangada de jacarandá. E agora falo sobre mim, na primeira pessoa do singular, pessoa física. Adoro minha liberdade de expressão, de falar e sentir sem muita responsabilidade sobre os meus afetos dando a eles o peso que eles devem ter: o do ar. Em outros tempos achei que essa era uma má idéia. Hoje aprendi que o sentir é como estar no meio de um vendaval contemplando o horizonte com os pés fincados na areia e as ondas se lançando contra a rebentação e achar que tudo, embora caótico, seja perfeito já que os cabelos ficam em desalinho rodopiando como uma bailarina na caixa de música e as roupas leves sacodem como as velas de um barco perdido em alto mar. E, tem sido assim a minha vida desde que o caos se fez, as trevas se dissiparam e eu sentei no chão por meses procurando o jeito certo, a força e a coragem para recomeçar e remontar cada pedaço destroçado da minha vida.

Nesse meio tempo muita gente passou pelo porto da minha ilha deserta. Umas tantas ficaram, outras partiram, muitas se fizeram moradia e minhas lacunas foram sendo preenchidas por aquilo que eu mais senti e depois, eu eu mais neguei: o amor. Venho sendo amada das mais diversas formas, com as mais profundas e superficiais intensidades, os mais complexos tons, gostos e cheiros e pelas mais diferentes pessoas. Precisaria me debruçar sobre o chão, no mais respeitoso tom de reverência possível para agradecer ao universo cada remédio que ele me deu para curar as feridas que a vida me causou. Talvez mais importante que isso, contudo, seja reconhecer que eu precisei sentir a mais mutilante das dores para entender qual é o mais importante dos sentimentos.

Ele entra na minha vida exatamente nesse momento. Chega sorrateiro, fazendo investidadas na porta dos fundos para não ser percebido. Me deixa em constante dúvida, me ata os punhos e me cerra os lábios. Até meus dedos se calam. O que mais me inquieta não é o que ele fala. É o que ele cala. Não é a certeza de seu silêncio. É a dúvida pelos seus gritos. Não é a falta da entrega. É a ausência de espaços para investidas. E não falo de sexo, acreditem. Os quereres aqui vão muito além de dois corpos que se encaixam e o cintilar de estrelas acontece. Falo de alma, de permissividade, de partilha. Atesto o meu desconhecimento sobre o jeito certo para me fazer importante e, uma vez lá, dentro dele, perfumar o ar com aromas que ele jamais sentiu.

Ele me inquieta, irrita (só às vezes), desaponta e surpreende logo em seguida. Me arma com argumentações e me faz desistir delas. Se mostra rude, não responsivo ao que digo, a minha presença. Depois, me acorda pela manhã com uma frase preocupada sobre como estou, me chama de meu bem, segue meus passos contando os metros que nos separam, aceita meus convites para ensiná-lo a dançar, me deixa brigar sozinha (sem estressar e nem retrucar) e me ouve atento ao telefone, principalmente, quando disparo em riste minhas falas intercaladas.

Queria saber chegar nele. Sentar mesmo em seu colo de qualquer jeito certa de que ele me segura, me protege com os braços para que eu possa abracá-lo com minha alma. Ele me desperta a ambígua sensação de protetora e protegida, de mãe e filha, de tranquilidade e agitação, de paz e de guerra... um desejo diferente... sem pressa para provar a pele, mas insana por entender a aura. Talvez ele seja mais complexo do que imagino e acho que é isso que me estimula. De certa forma me desapontaria se ele não fosse complicado, ambíguo, mutante, incerto... eu preciso da inquietude e da sensação de ser importante para ficar, para desejar permanecer.

Há momentos em que ele chega tão doce e terno que amoleço, como se pudesse escorrer por entre seus dedos. Nesses momentos, tenho vontade de olhar para a cara brava, de traços fortes, de sorrisos que nunca aparecem e dizer "vai... me leva pra você... me toma de qualquer jeito e faz o que desejar: eu confio". Em outro ele chega monossilábico, me deixando esperar por suas respostas, sendo tão seco e turvo quanto as noites em desertos. Nessas horas, quero medir forças, testá-lo, bater de frente, responder a altura até que ele me desarme novamente como se já tivesse entendido que essa é a jogada que leva ao xeque mate.

Só por hoje, enquanto escrevo, queria ser a princesa dele, aquela que ele disse que não dorme, que briga, esperneia, mas que ele entende, carrega nos braços, coloca na cama e protege... queria dormir em seus braço, sobre sua proteção, vendo um sorriso terno surgir nos lábios, afastar meus cabelos da testa e beijar minha fronte enquanto fecho os olhos... depois, me aconchegar pelo do seu corpo e adormecer, sem hora para acordar, sem medo de estar errando e, com a certeza de que, ao acordar, ele estará lá me olhando, zelando e pronto para me beijar de novo ou para recomeçar nossas briguinhas em que eu falo e ele ouve e abranda tudo no final, seja porque ele nem me leva tão a sério assim, seja porque ele sabe, no fundo, que eu o quero bem. Carinhos sem explicação, incertezas, quereres e o mais completo compreensão incompreendida que senti na vida.

Que ele seja uma verdade cheia de defeitos... que ele jamais se torne perfeição repleta de mentiras. E, se me perguntares o que minhas entranhas me dizem sobre o amanhã, confesso: eu não sei mesmo o que dizer.

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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Até Dezembro me Despertar





Ao meu Beijador de Passarinhos, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida "One and Only", versão Adele.



Acordei em meio ao silêncio do quarto e os poucos feixes de luz de faróis dos carros que cruzavam a avenida com destino desconhecido. Tentei me mexer um pouco para me nortear e entender aonde eu estava e vi seus braços envoltos em meus corpo despido e meu rosto enterrado em seu peito e tendo como proteção sua barba cheirosa. É, ele bem que tinha cumprido a promessa de me manter em seus braços e não me largar. Outrora pensaria bobagens... por ora, queria mesmo acreditar que aquilo era medo de me ver partir.
Dizem que quando algo começa com data e hora para ter um fim não nos resta muito a não ser aceitar a perfeição dos abraços e zelos e cuidados sem fim e nos preencher de uma força que felicidade pode trazer para quando tudo se despedaçar após a partida ou, talvez, amargar a mediocridade de imaginar o que poderia ter sido sem nunca descobrir o quão doce ou amargo pode ser o gosto do momento. Ele me chegou com essa proposta e com a cara deslavada de quem faz isso desde que se descobriu um solitário e eu precisei escolher. Cá estou... escolhi morrer de prazer de sua companhia visceral para chorar e me lamentar até a boca secar quando ele se for. Melhor voltar meus pensamentos para não pensar no fim antes mesmo do começo...
Tentei me desvencilhar um pouco para observar ao meu redor... uma única arandela acesa no cantinho, com uma luz amarela como ambar iluminando as roupas pelo chão, as taças de vinhos quase vazias e restos de comidinhas e peticos que trouxe para agradá-lo. Me perguntava mesmo porque eu deveria me esforçar para fazer qualquer coisa por alguém que em menos de 2 meses partiria e nem lembraria da minha existência. Perguntei-me, mais incrédula ainda, em qual momento do caminho deixei o meu bom senso para trás e me vesti com as roupas dos desbravadores corajosos e irresponsáveis.
O fato é que aquela barba perfeita cheirando a loção quando se esfregou em meu corpo provocou um blackout e nenhuma sinapse se concretizou a partir daí em mim. Olhar para aquele corpo de 1,91m distribuído em uma pele branca, cabelos negros e lisos, mãos incrivelmente sedutoras e o charme que só os homens que já passaram dos 30 anos possuem me fazia esquecer que o amanhã ainda chega. Acho mesmo que o meu medo não era da hora em que ele partirá, mas dos momentos em que desejarei aquela presença, o sexo que ele faz, a voz que me alegra e o colo que me acolhe e não terei.
Vou mesmo sentir saudades de sentar em suas coxas enquanto ele me segura pela nuca e pelas costas e eu esfrego meu sexo na sua calça. Vou surtar de vontade quando, nessas horas, eu não o tiver para me erguer do chão e me encostar em uma parede qualquer e me sentir absolutamente insana, protegida e amendrontada com o que pode vir, já que ele nada diz sobre si, apenas o que deseja de mim. Vou desejar cada milímetro de sua pele quando lembrar de sua cabeça enterrada entre as minhas coxas e de cada canto daquele quarto em um flat qualquer em que nossos corpos se enrroscaram por horas aparentemente intermináveis... e, nessas horas, eu peço para morrer naqueles instantes porque não quero mesmo sentir nada além disso... Ain... fico ofegante cada vez que penso e ele nem está aqui.
Às vezes acho mesmo que quando ele se for, vai lembrar por dias dos dias vividos aqui e vai sentir saudade. Muitas vezes vai rir sozinho, do nada, ao lembrar dos meus destemperos, bobagens e das coisas engraçadas que falo como fechas lançadas ao acaso. Em outros, vai sentir o coração apertar quando as imagens dos meus afagos, carinhos, zelos e mimos se fizerem moradia e, talvez, assim espero, que um desejo enorme de pegar o primeiro avião o preencha e ele venha ter comigo... mas, tenho absoluta certeza que ele jamais esquecerá de nossas noites com corpos grudados, molhados de suor, de saliva, do meu prazer, do dele, do nosso, e passará a mão por cima da calça e lembrará que não estou. E, quando tudo apertar, que ele pegue mesmo o avião que chegará mais rápido porque eu estarei esperando ainda mais louca de desejo e de vontade de olhar naqueles olhos novamente e me me dissolver naquela mistura de mistério e encanto que é esse desconhecido.
Agora, enquanto escrevo e penso que cheiro ele tem nesse momento, no que pensa, pelo o que anseia, sou desejo e medo por sua chegada e saudade e angústia me antecipando a sua partida. Mas, quero que ele venha... que me embriague com cada gole de vinho que prometeu. Que me abrace por cada vez que me falou. Que me conte suas histórias falando no meu ouvido. Que me deixe assistir os filmes que me perguntou que quero ver, deitada em seu peito e entre suas pernas. Que me beije e me faça mesmo acreditar que aquela é a última boca e língua que desejarei na vida. Que me ame deitado sobre o meu corpo, me deixando sentir seu peso e me segurando pelos cabelos, enquanto me olha nos olhos e me chama de SUA.


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sábado, 10 de setembro de 2011

A Fantástica História de Jack e Sally


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Ao meu Jack, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida "Little Wing", versão The Corrs




Dizem que as histórias de amor e de amizade surgem do acaso. Por vezes de desencontros, de tropeços, de peças que o destino nos prega. A história que vou lhes contar, nobre leitor, é um desses contos de fadas que nos enche de inspiração e nos faz sentir a glória dos sentimentos que surgem do nada e que vão nos preenchendo até se tornarem parte de nossa alma... É assim a história de Jack e Sally...



Jack surgiu para Sally como uma dessas promessas de um "olá" seguido de um "até logo". Ela, com seus cabelos vermelhos como o fogo que gera calor e abranda a inquietação dos corações gelados, não imaginava que naquela noite sombria em que estava perdida na cidade fria e esquecida no quarto escuro, conheceria um cavaleiro andante e abusado perdido em um corpo contrastante de paz. Sally é a personificação do muito escancarado: sorrisos, choros, sentimentos, desejos, vontades, intensidade e coração. Jack é essa versão pelo avesso: tudo guardado a sete chaves, escondido e só partilhado com quem toca seu coração. Ele, alto, magro, com olhar desconfiado, mãos gentis e gestos leves. Ela, baixinha, roliça, com olhar penetrante e mãos firmes e gestos fortes. Desconfio que seja justamente isso que faria com que, mais tarde, em outra dessas noites levadas pelo acaso, as mãos deles se encontrassem em gestos que marcariam suas vidas para sempre.

Não sei mesmo se na presença de outros Jack era de riso tão fácil quanto quando Sally está por perto. Também não sei se Sally é tanta segurança se estiver na mesma situação. Quando eles estão juntos é como se brincassem pulando entre nuvens: tudo é leve, nada é proibido e cada coisa é partilhada espontaneamente como as frases engraçadas que surgem dela e os sorrisos gostosos que partem dele. Quando ele surge, em cada fim de noite, e ensaia um "buhhhh", ela finge supresa, mas estava ali há horas esperando por ele para contar suas aventuras durante o dia. Há dias em que ela fala sem parar. Em outros, que chora. E, na maior parte deles, ela nem sente mesmo o que está fazendo porque tudo brota de dentro de seu coração como uma flor do campo emerge do solo depois de uma noite de tempestade.

No dia em que eles se encontraram pela primeira vez, era como se o universo tivesse preparado tudo com a leveza, tão própria dele, e a intensidade, característica mais marcante dela. O medo dela era de que aquele encontro pudesse ser o começo do fim. O dele, se existiu, nem eu mesma saberei, porque ele não deixou transparecer. Quando ela sentou-se ao seu lado naquela noite escura e sem lua e rumaram ao destino que os esperava, Sally nem ousou olhar nos olhos de Jack com medo de ver decepção e um adeus anunciado ali. Ela queria mesmo fazer tudo certo, dizer as coisas mais bonitas para que ele tivesse vontade de ficar ali e nunca mais ir embora.

Ela olhou pra Jack e entendeu de onde vinha toda aquela paz. Jack era claro como o sol do nascer do dia. "Lindo, lindo, lindo", ela pensou, e ao ver suas mãos, ela as quis em seu rosto, mas Sally jamais pediria nada. Seu medo de não ser merecedora daquele Jack era imenso agora e tudo poderia se perder a qualquer momento. Jack, por sua vez, parecia que sempre esteve ali. Que Sally era parte das suas manhãs e noites, tão espontâneo foi quando se prostrou diante dela. Acho mesmo que ele estava um tanto quanto nervoso, mas ele não quis que ela percebesse.

Enquanto ele estava deitado, entregue aos toques dela, Sally olhava para os contronos dele e seu coração se acelerava. Tudo aquilo era completamente novo para ela: a noite, a presença e todas aquelas sensações. Então, quando Jack a tocou e a fez sentir que era ele que cuidaria dela naquelas próximas horas, ela não relutou. Pela primeira vez na vida Sally fechou os olhos e dançou guiada por alguém sem sentir medo. Ela não sabia dar nome a todas as sensações que a invadiram. Só fechou os olhos e as sentiu... Jack era mais do que um sonho para Sally, porque de sonhos todos nós acordamos: ele era realidade.

Daquela noite sem lua e sombria, Sally vai lembrar de tudo. Não perguntei ao Jack do que ele se lembrará. E, por mais que você, nobre leitor, queira saber o que aconteceu naquele espaço de sonhos e realidade, eu não ousaria ir adiante nesse relato. Acho que o Jack não gostaria e tenho certeza que a Sally quer mesmo guardar tudo para si. Não sei mesmo o que acontecerá com eles a partir daí, mas, uma coisa é certa: Sally é verdadeiramente feliz quando Jack está por perto. Jack é encantadoramente livre quando Sally segura suas mãos. A História deles é como um desses contos em que tudo pode acontecer, mas que a gente torce por um final feliz antes dos créditos e do "The End"se projetarem na grande tela da vida.

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sábado, 20 de agosto de 2011

Meu Corpo é Dele




Ao meu Samurai, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida "Set Fire to the Rain", versão Adele.



[...] madrugada fria...
Pensar e observar o que está posto ao nosso redor quando uns graus Celsius são retirados do ar ambiente é mais contemplativo... naquela madrugada, naquele lugar, com aquela luz se fazendo um feixe discreto escapando para dentro do quarto por uma frestra da persiana, a temperatura baixa seria uma segunda pele açoitando meu rosto, mãos e pés. Ele estava deitado na cama, despido, envolvo por uns poucos centímetros de lençol que cobria-lhe parte das coxas. Contemplar aquele homem nu, entregue, silencioso em seu sono descuidado, era como passear por uma enseada. Pensei que contemplação fosse a palavra mais adequada já que há muito de divino nela e, consequentemente, na perfeição do desenho de seu corpo, boca, olhos e tudo o mais que se lança desaforadoramente para os que cruzam seu caminho. Com um pouco mais de lascividade, os resultados seriam sexos úmidos e paus em ristes para os desavisados que o veem pela primeira vez. Ele é obscenamente delicioso. Cada centímetro de pele dele cobre um outro centímetro de luxúria. Ele implora sexo na maneira como caminha, como dança, como movimenta os braços, como grita um palavrão dos mais politicamente e aceitavelmente corretos aos mais retaliadamente refutados. E ele tem aquele cheiro bom de homem que a gente arfa enquanto abraça, transa ou simplesmente se está perto para captar quais as notas de almíscar, canela, carvalho e pele estão presentes. Ele não é um homem para se comer com 200 talheres, porque essas duas centenas só levam o baquete à boca. Ele é o tipo de homem perfeito para ser devorado com talheres e toda a prataria sofisticados deixados no armário. Requinte não é pra ele. Mãos, boca, pés, braços, seios, saliva e dentes são mais adequados e nem há de se pensar em infringir as boas regras da etiqueta.
Enquanto pensava em todas essas coisas, ele se mexeu. Mudou de posição e agora o que ficava visível era seu sexo e o peito, com o feixe de luz apontado para seu rosto. Uma cena poética, pensei. Um tanto de homem e outro de menino. De santidade e de pecado. De me devora e de me abraça. Um contraste inquietante. Na minha divagação, não medi o tempo. Nem o barulho que eu podia estar fazendo. Nem o quanto mais a temperatura caia. Queria sentir aquele homem e, ao mesmo tempo, nada fazer. Queria de novo aquele beijo entre línguas e harmônico que demos outro dia, de maneira súbita, com mão na nuca entre fios de cabelo. Mas também só tocar seus lábios e captar um resquício de saliva que tivesse ficado ali. Nem sei se queria aquele homem entre as minhas pernas se fazendo um peso vivo e inquietante, mas o queria envolto em meu corpo para dormirmos e aquele frio passar.
Ali, prostrado diante de mim, havia tudo isso e mais uma infidade de coisas que eu não saberia descrever. Mas, as duas coisas mais importantes e lindas que hão nele estavam silenciadas. Os olhos semi-cerrados e brilhosos que despontam cada vez que a felicidade brota de seu poros é algo indescritível, assim como a boca e o sorriso escancarado de quem é feliz e sabe ser feliz. Naquele momento, ao lembrar de seus olhos e sorriso enquanto ele dança, ri baixinho. Pensei que eu poderia ficar ali a noite toda só observando essas coisas, mas, ele acordou num lampejo de movimento. Não se mexeu ou se cobriu ou fez algo brusco. "Há quanto tempo você está aqui?", perguntou. "Tempo suficiente pra te olhar, analisar, enxergar", respondi. "E a que conclusão chegou?", me ingadou. Parei por um instante e pensei o que deveria responder e optei pela delicadeza de sua alma.
"[...] que és lindo. Que tens uma doçura e uma lealdade emergindo dos teus poros que posso rastrear a quilômetros. Que há muito de divino e de maldito em você e que é esse contraste a tua beleza. Que você não é feliz todo o tempo porque nem sempre tem o que deseja e porque há uma inquietude da tua alma de nunca se satisfazer com o que está posto, pronto, óbvio, mas que você sabe exatamente aproveitar os momentos em que tua guerra interna se abranda e a gente enxerga esse acordo de paz interno na tua felicidade estampada com direito a cartão de visistas. Que você é sexo sempre, e muito, e tanto e sempre, mas, sobretudo, é amor numa proporção indizível. Que você é homem e menino. Certezas irrevogáveis e dúvidas cruciais. Que você é a arte de cuidar e entrega para ser cuidado. Que você é o beijo delicioso e o abraço acolhedor. Que você é extremos procurando o meio-termo, mesmo sem ter certeza de que deseja encontrá-lo e de que estar no prumo é tua salvação".
Ele se levantou com os olhos marejados. Não sei se nada disse por não saber ou não conseguir dizer. Me tomou pelas mãos e me abraçou despido. Abraçou com uma força que me deixou sem ar, me apertando contra o peito, coxas e me segurando pela nuca como se esperasse que pudesse me guardar dentro de si se imprimisse mais força. Me segurou pelas têmporas e olhou dentro dos meus olhos com o cenho franzido e, naquele minuto, senti medo por não saber o que ele pensava. Me fitou por quase um minuto e me beijou com lábios entreabertos e olhos vidrados. Não reagi simplesmente por não saber o que fazer. Parado em minha frente ele me despiu tirando cada peça de roupa com pouca delicadeza enquanto me olhava nos olhos e eu sabia que não havia lascividade alguma no seu ato, por isso mesmo, meu medo: eu não imaginava o que ele estava fazendo ou pensando. Quando terminou, se prostrou diante de mim e me disse: "sou teu muito mais do que fui de qualquer outra pessoa nessa vida, porque foi você quem me virou do avesso para me ler nas entranhas". Quando ele terminou, eu havia entendido o que tudo aquilo significava. O puxei pelas mãos e conclui: "sou tua porque nunca houve alguém que tenha me despido e me olhado de frente, sem pensar em nada a não ser no momento, no amor e na amizade como você acabou de fazer. Sou tua porque há formas de amor que são incompreensíveis quando a gente encontra um pedaço de nós em um desconhecido e passa a se reconhecer nele. Sou tua porque sei que aqui, diante de mim há, para além de qualquer maldade, um amor de verdade, uma alma similar e um carinho de irmãos".
O tomei pelas mãos mais uma vez, carreguei para cama e deitei. Senti o peso do seu corpo sobre as minhas costas, pele com pele, seu sexo repousado nas minhas nádegas e coxas, e o frio daquela noite ir se abrandando e adormeci sentido sua respiração no meu ouvido e o estalar de beijos eventuais na minha bochecha...

sábado, 16 de julho de 2011

Devassado





Ao meu "Peregrino", DEDICO.

Trilha Sonora Sugerida "Autumn Leaves", versão Edit Piaf



Agora que te fostes, volta.

Há coisas deixadas pelos caminho.

Restos de pele e de minh'alma.

Partes de um eu inteiro agora despedaçado.


Agora que te fostes, volta.

Recolhe minha dor e dúvidas.

Tudo aquilo que eu não precisava entender.

Tudo o que agora me corrói.


Agora que te fostes, volta.

Carrega contigo essa dor.

Pois afirmo-te que não é minha.

Pois nunca esteve aqui até tua partida.


Agora que te foste, volta.

Recolhe teus livro, minha mágoa.

Junta tuas roupas e minhas lágrimas.

Não sei como guardá-las na minha caixa de pandora.


Agora que te fostes, volta.

Devolva meus sorrisos ensolarados.

Mesmo nos dias nublados.

Mesmo nas noites sem lua.


Agora te fostes, volta.

Diga-me o que faço desse amor.

De minha devoção inabalável.

Do meu coração destroçado.

Dos dias que não voltam mais.


Agora que te foste, volta.

Faça-me entender o porquê.

O quando? O onde? O amanhã.

Porque de mim, só sei, o que não mais sou.


E só assim, quando tiveres recolhido,

Devolvido,Esclarecido

Poderei te dizer:

Agora que te fostes, vais...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

DAS CARTAS QUE NUNCA MANDEI: Sobre a Arte de Perder



Ao meu Loser, DEDICO.

Trilha Sonora Sugerida "Moonligth Sonata", versão Alicia Keys.


[...] já perdi muita coisa nessa vida. Coisas que aspirei ter e jamais tive. Coisas que desejei ter e, quando tive, foram arracandas de mim. Coisas que nunca quis possuir e que me foram dadas e tiradas (parte boa da piada). Perco coisas todas os dias, sobretudo coisas pequenas por ser absolutamente dispersa, incorrigivelmente desastrada e inadequadamente esquecida. E, apesar disso sempre consegui viver com minhas perdas porque perder coisas, às vezes, é uma dádiva. Há quem afirme categoricamente que quando a gente perde algo ou algo que nos pertence se quebra, é porque já dissipou toda a energia boa que possuia e por isso deve circular por outros lugares para que possa se recarregar e fazer bem a outrem. Que seja...
Os meus lamentos, nesse sentido, sempre foram pelas perdas daquilo que não se pode palpar: amor, bondade, empenho, luta, amizade. Essas sim, nunca deveriam ser retirados de quem as merece ou precisa delas. É fato que para algumas pessoas um amigo a mais, um sentimento a mais, um afeto e mais é só uma coisa "a mais" pra se administrar. Pra mim, não. Me recordo de semanas inteiras da mais profunda tristeza quando vi minha filha partir, quando vi meu (pseudo)amor partir, quando vi meus avós partirem, quando dei o último adeus a um punhado de pessoas que considerava como amigos e que tive que ver partirem também.
Acho que viver sozinho é impossível, afinal de contas, mesmo para os mais ranzinzas é necessário ter alguém para, no mínimo, xingar. E, como não sabemos como será o dia de amanhã e tampouco onde estaremos, com quem estaremos e onde estaremos, desprezar quem nutre por nós um afeto verdadeiro é, no mínimo, burrice. Nem tudo na vida é um jogo, nem todas as pessoas têm segundas intenções, nem todos os nosso desejos serão realizados e, aceitar isso, é inteligência, discernimento e maturidade, respectivamente.
Não insisto muito tempo e nem emprego muito esforço para os que não considero especiais. Brigo, zelo, perco a cabeça, cuido e brigo por um punhado de vezes com os que me são caros. Não fique triste se isso acontecer a você. Você se tornou parte dos meus dias e das minhas preces e não um dos meus demônios.
Aprendi (e queria te ensinar) que perder nem sempre significa "não ganhar"... perder, muitas vezes, é sinônimo de "não querer ganhar". Ouvi outro dia você dizer que "fez birra, como criança que não tem o desejo atendido" porque não cedi aos teus caprichos. E você, de maneira infantil e boba, nem percebeu que me negar a ceder foi a maior forma de afeto e carinho desse mundo porque se eu tivesse de conceder aquele desejo a alguém, seria a um desconhecido de quem eu pudesse sentir nojo e, em seguida, me afastar em definitivo.
Eu teria muito mais a te oferecer segurando na sua mão, sendo uma companheira de partilha, de conversas em fins de noite, do que em sua cama. E você, apesar de eu ter dito isso de todas as formas, não só não quis entender, como iniciou um jogo bobo de fingir que eu não estava ali, que não havia ninguém do outro lado.
E, como nos jogos enfadonhos, alguém sempre se cansa porque coisas assim não só são desgastantes como perdem a graça com o passar dos tempos. Se eu entrei na sua vida, havia um motivo, mas, você se perguntou qual o motivo de eu sair dela? Não, acho que não... talvez porque você não considerasse a possibilidade de eu sair.
Se eu posso te dar um conselho bobo nesse momento em que subo vagão do trem que me levará para longe de ti, seria esse: às vezes nos sentimos mais amados quando estamos ao lado de pessoas que olham para nós como pessoas e não como um alguém qualquer. Às vezes, só às vezes, quem mais nos ama ou nos quer bem é quem faz, justamente, o oposto daquilo que desejamos. Você poderia ter me conquistado todos os dias e das mais diversas formas e, no entanto, jogou cada oportunidade no lixo. Você deve saber o que faz, já que, até mesmo crianças com idade cronológica compatíveis com a infância, sabem a importância de sentimentos verdadeiros...
De você sentirei saudade, mas, o que uma saudade boba de alguém que quis ser um perdedor, ou melhor, daquilo que nunca tivemos?


Cidade Qualquer, 14 de Julho de 2011.


A bobona de 31 anos.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sob o Olhar Celta

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Ao meu Orvalho, DEDICO.

Trilha Sonora Sugerida "Celtic Awesome Song", versão Corciolli-Highlander




Fim de tarde e eu estava em casa. Parte de mim sempre esteve ali e eu sabia. Me prostrei diante da água do mar celta e dos meus ancestrais, e aspirei o ar que vinha do Mar da Irlanda. Meus pés pisaram naquele solo e fixaram raízes e, apesar do frio, me mantive descalça. Eu podia sentir a força da terra e energia daquele lugar. Olhei para o horizonte e vi o calor daquele por do sol tão lânguido e supremo. Era o fogo. Os quatro elementos da natureza estavam todos dispostos e a minha disposição, como um presente dos druídas.

Eu não sei, para ser franca, se ele entendia o que estava acontecendo ali, mas, soube respeitar. Manteve-se no mais absoluto silêncio, me observando com uma ternura inescapável. Aquele lugar, aquela energia tinham que ser compartilhados com alguém e não consigo imaginar outra pessoa. Ele era sofisticado e singelo como aquele momento e olhar aqueles olhos verdes contra aquela luz límpida me enchia de um amor que estava para além do sentimento que se brota nas relações que nos estabelecemos. Tinha que ser ele ali...

Sentamo-nos nas pedras e assistimos, lado a lado, aquele fim de tarde. Não nos tocamos, falamos e nem fizemos gestos bruscos. Contemplamos com olhos, pele, ouvidos, pulmões e coração. Não sei quanto a ele, mas, a felicidade que brotava dos meus poros era perceptível ao mais desatento rochedo próximo do despenhadeiro. Olhei novamente nos seus olhos enquanto ainda existia um feixe de luz que permitisse ter visão e enxerguei, dentro do meu Orvalho de Hermon, a paz e felicidade também. Talvez eu o tivesse subestimado. Talvez ele estivesse tão imerso naquela onda de energia daquele lugar quanto eu.

Quando o sol finalmente se escondeu, caminhamos pela trilha em direção ao castelo e ao altar celta. Havia dito a ele que o queria em minha casa, sentindo minha alma, disposto e exposto aos meus ancestrais não como uma oferenda, mas como uma partilha de energia, de amor, de amizade e de vida. Ele não e opôs. Sequer perguntou o que seria esse momento. Apenas confiou em mim e seguimos andando pela trilha, já escura, iluminada apenas por uma imensa lua cheia envolta em luz branca e dourada, marcando a presença de outras como eu.

A temperatura caia ainda mais a medida que avançávamos. Ele me posicionou em sua frente e lançou seu braço direito sobre meu tórax, abaixo do pescoço e acima dos seios, como sempre fazia quando desejava acalentar, cuidar ou proteger alguém. Nosso passo desacelerou e se alinhou, mas, continuamos assim até o cume.

Ao chegarmos, o altar de pedra estava pronto, como se esperasse por aquele momento há 3000 anos. O mar que se lançava contra as pedras na arrebentação e o vento que açoitava as árvores com a delicadeza seriam a trilha sonora daquele momento. O sentei no altar e segurei seu rosto entre as mãos. Acariciei sua pele, cabelos e desenhei o contorno dos seus olhos com os dedos. Disse "fica aqui" e ele assentiu com a cabeça. Caminhei ao depósito e peguei algumas lascas de madeira que estavam empilhadas. Sem dificuldade alguma a madeira queimou e o fogo brotou. Apanhei um punhado de terra e um pequeno arbusto salpicado de orvalho e me dirigi a fogueira. Ergui minhas mãos e pedi protenção à Deusa Mãe. Queria conforto e paz, saúde e felicidade para mim e para aquela alma doce e terna ao meu lado que observava tudo com uma expressão de calmaria. Salpiquei a água no fogo, joguei o punhado da terra e soprei o ar vindo do mar. Um fumaça com cheiro de cedro desenhou o ar formanda arabesco que o vento lançava contra nós.

Me aproximei dele mais uma vez... Tirei o seu casado e a camisa e pude ver os pêlos eriçados de frio. Me abaixei diante dele enquanto ele me fitava com o olhos e, calmamente, retirei seus sapatos e meias. Me ergui novamente e afrouxei seu cinto, me desvencilhando do jeans e de sua roupa íntima. Ele nada fez. Apenas me observava com candura. Quando terminei, beijei seus olhos, aqueci e envolvi minhas mãos no calor do fogo e na fumaça e o toquei de baixo para cima, até alcançar seu rosto. Quando terminei, me afastei e contemplei aquele olhos incomparáveis.

Em um movimento suave, ele repetiu meus gestos. Me despiu, aqueceu suas mãos e me tocou exatamente na mesma sequência de antes. Quando terminou, envolveu meus rosto entre suas mãos e beijou-me os olhos.

Quando minhas pálpebras de afastaram, o que vi foi um homem encantador, doce, terno, gentil e dotado de uma singeleza ímpar. Atrás dele, a Deusa Mãe, o vento o fogo e a fumaça que agora se lançava com mais volume em nossa direção... Sem certeza alguma do que deveria fazer, esperei... Ele franziu o cenho como se esperasse alguma resposta e, diante da minha imparcialidade das minhas feições, ele me abraçou. Ficamos pele a pele e eu podia sentir cada depressão e relevo do seu corpo. Cada pêlo eriçado. Cada distenção e recuo do seu tórax junto ao meu quando ele respirava. Senti meus seios contra o seu corpo e aqueles braços que me envolviam de canto a canto. Não havia nada de sexual ali, nada de lascivo, nenham maldade. Tampouco soube explicar o que era. Sentia-me livre, plena e repleta de uma energia que precisava ser dissipada de outras formas, porque meus poros já não eram suficientes para essa tarefa. Ele sentiu o mesmo, porque percebeu a inquietude que agora se apropriava do momento.

Lágrimas percorreram meus rosto até morrer em minha boca. Ao vê-las, ele caminhou com seus lábios por esse trajeto e terminou em minha boca, onde se apropriou do que restou daquelas gotículas. Toquei as lágrimas que caíram do outro lado do meu rosto e desenhei o mesmo trajeto no rosto dele. Com os lábios, fiz a mesma sequência que ele me proporcionou e nada mais ali era importante.

Naquele instante, o vento se acirrou e varreu as árvores próximas, lançando gotículas de orvalho e grãos de areia por todos os lados. A madeira estalou e pequenas fagulhas de fogo se ergueram do chão, misturando-se a àgua, ao vento, a terra e as folhas que flutuavam naquele espiral. Eram elas, as outras iguais a mim que mostravam que o ritual estava terminado, que a natureza havia recebidos o meu pedido e que o universo agradecia a minha fé. Era inexplicável aquele momento e só me restava agradecê-lo por me acompanhar e se doar a mim e aos meus.

O vento diminui enquanto a madeira dava os seus últimos suspiros. Afrouxei os meus braços que se enlaçavam sobre o corpo dele e pensei em cada uma das possibilidades, mas não cheguei a conclusão nenhuma. Poderia fazer amor com ele naquele momento, sem que isso representasse que aquela criatura era o homem da minha vida quando, na realidade, ele era a alma daquele momento. A gente pode passar o resto de vida ao lado de alguém com quem partilha uma vida, mas não necessariamente a nossa essência e a nossa alma. Qualquer homem poderia seguir comigo rumo ao fim dos nossos dias, mas ele era o único que poderia sentir aquele momento comigo.

Poderia tê-lo vestido e dormido naquele altar até o sol despontar no horizonte novamente. Poderia, ainda, levá-lo para dentro do castelo, acender uma lareira e tomar vinho até o frio passar. O que aconteceu naquela noite, no entanto, não ousaria dizer até que ele me pedisse, porque há coisas nessa vida que a gente deve guardar nas nossas entranhas em respeito a nós e em respeito aos que visitam a nossa alma.


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quinta-feira, 2 de junho de 2011



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Ao meu Sol de Marte, DEDICO.

Trilha Sonora Sugerida "If I Ain't Got You" - Alicia Keys




Apaguei as luzes do quarto e sentei despretensiosa no parapeito da janela. Me recostei nas cortinas e me deixei embalar por um barulho cadenciado que vinha de longe. Olhei adiante e vi de cima o desenho daqueles que se erguiam do chão e penetravam no céu emprestando cores de toda a sorte. O vento frio que invadia o quarto prometia pêlos eriçados e a necessidade de uma terceira, uma quarta, uma quinta peles para se sobrepor ao tom pálido da minha. Apanhei uma taça de vinho tinto seco e morno esquecida na mesa e degustei sem muita vontade, enquanto procurava o som do piano de Alicia Keys. Estava ausente de mim. Sem planos, medos, vontades... apenas um silêncio ensurdecedor. Quando silencio é quando mais grito... repito isso como prece para me convencer de que estou viva quando tudo parece se dissolver...
Uma chave rodou na fechadura da porta. Eu sabia quem era pela forma de pisar no chão, pela forma como suspirava dando a entender um cansaço que quase nunca existia e porque as luzes eram acessas antes da porta se trancada. "Não acende", pedi. Ele nada disse. Apenas acatou meu pedido sem retrucar. Sentou-se na cama e me observou de forma atípica. Não tirou os chinelos e nem as roupas, como sempre faz quando chega em casa. Apenas sentou e me olhou demoradamente. Sentei-me na janela novamente e devolvi a contemplação.
Ele é uma mistura de sabores e cheiros que não combinam em um primeiro momento. É doce, ocre, azedo, salgado, denso... Sua presença nega parte da sua essência que, por sua vez, inviabiliza outras tantas coisas. Fragmentá-lo é a forma mais fácil de compreendê-lo. Os pedaços dizem mais sobre ele do que o todo unido, conexo, exposto, porque ele é um contraste tão visível quanto uma aquarela. Ele a tradução em pele, força e fragilidade salpicados com uma saliva deliciosa que lembram os acordes agudos e graves, agressivos e ternos de Adios Nonino.
Ele se aproximou de mim sem mudar as feições, sem mover um músculo que pudesse me dar a entender o que ele estava pensando e isso me deixou apreensiva. Aprendi a ler o que ele pensa, sente e quer pela forma como seu sorriso se acende e se apaga, como sua testa faz um franzir que parecem caminhos desenhados no meio do canavial e seus olhos se fixam ou se esquivam.
Ao percorrer aquele caminho entre a cama e a janela, parou diante de mim, pousou suas mãos entre as minhas coxas e abriu minhas pernas ali mesmo, enquanto eu permanecia sentada sobre a janela enquanto o frio açoitava minhas costas. Nada fez de lascivo. Entrou naquele espaço, recostou o queixo entre meus seios com os braços cruzados em cima das minhas coxas e permaneceu me olhando. Senti um arrepio agudo e o abracei com as pernas. Nada fiz com as minhas mãos... aliás, nem as sentia com o frio, até que um calor súbido se apoderou delas e dedos deslizaram por cima e por entre os meus... eu adorava quando ele fazia isso e temo que ele nem imagine.
Permaneci imóvel enquanto suas mãos ascendiam pelos meus braços até alcançarem meu rosto e ele fixar seu olhos nos meus. Isso, apenas isso era suficiente pra eu perder a razão, o jeito... o bom senso havia se afstado de mim na velocidade do som e eu nada mais quis fazer a não ser sentir. Senti-lo, me sentir, sentir o acaso, o destino, o momento e tudo o mais que houvesse de inexplicável ali.
Gentilmente ele me pôs em seu colo aproveitando a posição em que estávamos e me carregou para o sofá. Permaneci cavalgada nele e, mesmo assim, nada consegui dizer, tampouco reproduzir qualquer som que fosse. Cruzei os braços em forma de espiral diante dos seios na mais absoluta timidez. Isso acabou sendo o estopim para tudo o que viria. Novamente dedos ascendendo pelos meus braços, pelo meus rosto parando, dessa vez, na minha nuca. Como aquela era uma sensação absolutamente indescritível. Como ele sabia exatamente o que minh'alma desejava.
E fui...
Me deixei ser levada pelas mãos, pelos desejos, por aquele homem que agora me carregava para a cama, me olhando firmente nos olhos e me tomando de uma forma que negativas eram tão inúteis quanto as forças que eu tinha para resistir a tudo aquilo. De repente, em uma velocidade que não pude precisar, ele me arrebatou e me empurrou contra a parede, me invadindo com sua língua exatamente com em uma noite anterior, em que as promessas eram de risadas e acabaram se concretizando como descobertas... Eu adoro o jeito que ele me beija... varrendo cada centímetro da minha boca, lábios, língua, me sugando, mordendo e esperando minhas reações.
Eu o queria...
Mais do que tudo nessa vida eu deseja aquele homem dentro de mim, com seu sexo me preenchendo da forma como ele quisesse. Queria aquele corpo sem uma roupa, quente, me aquecendo naquele frio e lendo minha pele em braile e minhas unhas deixando marcas em suas costas. É indescritível ver o prazer que emergindo de cada centímetro dele sempre que minhas unhas desenham caminhos vermelhos ou invisíveis em seu corpo. É estimulando vê-lo se contorcer, fechando os olhos, tendo espamos e se arrepiando sem nenhum pudor.
Eu o queria...
Deus sabe o quanto eu o queria...
E ele veio... sem preliminares, sem muito jeito, com a força que julgou necessária naquele momento. Fechei meus olhos como um egoísta porque, naquele momento, a única coisa que me importava era senti-lo. Tudo o que se seguiu foi indescritível, assim como o é tudo o que me provoca. Cravei minhas unhas em suas costas e escorreguei minhas mãos por seu rosto enquanto o empurrava mais para dentro com as minhas pernas. Ele gemeu... não aquele gemido barato, fugaz, que se compra em qualquer esquina. Ele gemeu de um jeito franco e delicioso, o que me deixou ainda mais certa de que não haveria escapatória e que aquilo aconteceria, fatalmente, assim como todo o resto.
Ficamos nesse embalar por minutos que não posso precisar... ora forte, como as expressões de seu rosto, ora terno, como um passeio no fim da tarde. Eu o queria mais, e muito, e tanto, que não sei se ele seria capaz de compreender. Naquele momento ele era meu em corpo, alma, medos, sonhos, angústias e eu poderia cuidar de cada milímetro repousado em mim. Eu queria mais gemidos, mais força e, no entanto, quando nossos olhares se cruzaram, nós paramos. Lágrimas brotaram dos nossos olhos... dessa vez não me esquivei, não desviei o olhar, não fugi, apenas o contemplei. Eu teria dito "não sei o que dizer" e ele respondido "não posso explicar", mas, tudo isso era desnecessário. Estarmos ali era a resposta, a prova cabal de que nada é definitivo, de que há coisas que nunca se poderá explicar, que sentimentos e desejos são como o destino: inescapáveis. Isso teria que acontecer: por destino, por conjunção estrelar, por um capricho dos deuses ou, simplesmente, porque o ciclo da vida quis assim.
Ele, o meu Sol de Marte, me proporcionou uma viagem de sentidos que até então eu nunca tinha vivenciado. Isso, talvez, seja a resultante do que ele é: tantos em um e nenhum concretamente. Naquele momento ele não foi um rótulo, um passado, uma idade, um nome, um cheiro, um presente ou um futuro... ele foi meu. Mais do que um sexo quente e pulsante nas minhas entranhas, ele era a resposta para a pergunta que persegui a minha vida inteira. Naquela noite dormi salpicada de saliva, de suor, de lágrimas e completamente impregnada dele. A intenção era de que o sol não despontasse no horizonte para que eu pudesse degustá-lo com os meus sentidos... eu o quis, eu o tive... o resto, só o tempo diria. Só ele...



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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ponto Luminoso


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Ao meu Blueberry Bee, DEDICO
Trilha Sonora Sugerida "Três" Ana Carolina







Noite escura, descortinada por um punhado de luz qualquer, envolta em um vento frio vindo do alto mar. Areia fina, ligeiramente morna, pele quente, uma lua que ensaiou um desabrochar tímido, mas recuou logo em seguida. Olhos ávidos, desconfiados, braços cruzados, roupas leves, molinhas, boas de serem apalpadas. Ele é festa de sons, de cheiros e eu apostaria, de gostos, também... aventuras desmedidas, linguagem cifrada, pele, corpo, um bocado de saliva... Eu arfo... Delícia de homem, qualquer uma diria. De fato ele o é. Uma combinação harmônica de arranjos e desarranjos de lamber os lábios como faz uma criança ao saborear sorvete em dias quentes de verão.
Confesso, naquele momento, um incomodo que não durou mais do que os minutos em que ele se prostrou diante de mim sem cerimônia ou pudor algum. Ele é essa medida incalculável de um dar de ombros, com sorriso escancarado como as portas de sua vida que ele abriu pra mim. E, mesmo assim, senti uma mistura de coisas que eu não poderia classificar... parafraseando a modinha adolescente, [...] ele é um predador nato, porque tudo que há nele é pensando para capturar a próxima vítima: um cheiro bom que se espalha pela epiderme, uma beleza desconcertante e uma conversa limpa e devassa que nos envolve antes mesmo que percebamos.
Eu teria cavalgado no colo dele e repousado minhas mãos em seu rosto enquanto tentava entender aquilo que foi silenciado e que eu não consegui ler nas entrelinhas. É óbvio que ele não é aquela junção de águas mornas em uma tarde lânguida de outono. Dele emana um turbilhão que pode ser visto na brasa dos olhos, com fomes não saciadas e paladares que ele não compreende. Me assusta perceber que ele é, hoje, uma necessidade urgente e voraz de degustação. A vida e as pessoas são, na perspectiva dele, fast foods que ele devora aos montes, provando cada coisa com tudo o que tem: boca, língua, pele, sexo, mãos, olhos, instintos (e até a falta dele), criando um sétimo sentido altamente especializado para esse fim. Ao mesmo tempo, há nele uma doçura que ele teima em camuflar. Como em um baile de máscaras, as roupas são trocadas e o cavaleiro põe sua armadura. Ali, atrás do metal pesado, ele não pode ser visto ou julgado e desfila entre os seus súditos como um (anti)herói.
Queria tirar essas roupas, sua segunda pele, e ver o que há por baixo de tudo aquilo que o envolve. Despido, vulnerável, ele se aninharia entre meus seios, se faria cobertor em meu corpo sem lascividade alguma, apenas para permanecer em cada recôndito da minha presença que ele julga protetora. Com minha pele se fazendo dele, ele me contaria seus segredos e depois adormeceria em silêncio, talvez enroscando nervosamente os dedos em meus cabelos. Nesse momento, o menino por trás do homem surgiria como que depois de uma gestação não de nove meses, mas apenas o tempo de uma confiança mútua ser gestada e parida.
Certamente eu ficaria com as palavras embrulhadas na boca, correndo de um lado para outro, me impedindo de juntá-las para formar as frases que eu deveria, ao menos, balbuciar naquele momento. Faltariam pernas ágeis para a minha língua alcançá-las. Ousaria, no máximo, ser contemplação. Olhar para ele despido dormindo entre meus seios, ventre, coxas e penas e espalhado por todo lugar como se tivesse comprado cadeira cativa em cada centímetro da minha pele. O contorno dos lábios, olhos, boca, mãos, músculos e os arabescos que os cabelos dele formam. Tudo me chamava a atenção naquele momento em que ele se portava como um encantador de serpentes. E eu pensei mais uma vez: delícia de homem...
Tentei ter a leveza de um punhado de algodão e o silêncio dos mosteiros incrustados em vales no meio do nada. Não queria que ele acordasse, sequer, o tempo necessário para mudar de posição. O queria em meus braços exatamente daquele jeito, mesmo pesando e desenhando caminhos vermelhos em minha pele branca. Aquela serenidade que eu observava era contraste com a efusão dos dias se sol, assim como era a delicadeza de um Monet e a força de um Rembrandt.
Apenas naquela fração de segundo, entendi que aquele era o grande segredo daquela alma doce e atormentada pela maldição da inquietude: quem sempre teve tudo e mais, também quer o pouco e o menos, um porto onde ancorar e recolher suas velas, até que novos portos mais sinuosos e atrativos pudessem ser riscados no mapa. E ele, como o capitão de um navio pirata, amará uma única mulher que deixará esperando enquanto visita outras camas, sexo, línguas e coxas para só depois voltar para os braços maternais que o envolverão enquanto ele faz amor com a força e a serenidade que oscilam nele.
Aquelas areias finas presenciaram um punhado de lágrimas descerem em meu rosto como a água das cachoeiras se lança no vazio. Iluminados pelo ponto luminoso da lua em uma noite caprichosamente discreta, eu teria feito amor com ele ou dançado um tango de Carlos Gardel porque essas eram as únicas coisas em que eu poderia imprimir força, e raiva, e afeto e desejo e a paz que emanavam das minhas entranhas. Em meu colo um homem que qualquer mulher iria querer entre suas pernas e eu só enxergava o menino, um pretenso amigo e companheiro. Então, fechei meus olhos e adormeci naqueles braços que me davam a sensação de que nada poderia me acontecer enquanto eles estivessem envoltos em mim...



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