sábado, 20 de novembro de 2010

Minha metade é um Ele inteiro


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Ao meu “Rainbow”, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida “Hallelujah”, versão de Alexandra Burke.



Sempre imaginei que minha alma gêmea, se houvesse uma para mim ou, ao menos se elas existem, seria um homem alto, com barba por fazer, título de protetor do ano e portador de uma perfeição e paciência incorrigíveis. Almas gêmeas eram, assim, o meu conceito de amor homem-mulher como unidade afetivo-sexual e ponto final. Essa idéia de amor romântico como salvação para a existência humana veio se desconstruindo para mim nos últimos anos como conseqüência de tudo o que vivi até aqui e do que fui me transformando a partir dessa experiência. Amor é amor, venha de onde vier, me leve para onde levar, desde que me torne alguém melhor do que sou. E assim tem sido desde que permiti que Ele entrasse em minha vida...

[...] o encontrei vagando translucidamente... era a imagem das urgências incertas pintadas em tinta óleo. Boca, olhos e mãos guiando desejos de toda sorte que ele, possivelmente, nem compreende. Ele quer tudo, e muito, e sempre e mais com uma fome que me deixa desconcertada. É essa dualidade tão crua constituída por ingenuidade boa e luxúria agressiva que me prende. Cada detalhe dele é pensando: um cheiro bom que nunca tem fim, uma infinidade de afagos que me desarmam, lábios tão bons de serem tocados e uma carência pueril. Todo esse conjunto poderia me causar uma inquietude desoladora, mas, contrariamente, me traz incomensurável paz. É reconfortante ter ao lado uma alma atormentada que não ousa perfeição. Ele, de fato, nem cogita essa possibilidade. Suas intenções são outras. Sua busca, a mola propulsora do ir diante a cada raio de sol que se insinua pelas vidraças do seu amanhecer.

Há tanto nele que eu repudio, odeio, evito, me desvencilho. Aquela irresponsabilidade que me sobe em ira pela espinha e me impele a tentativas estéreis de compreensão. A mais completa falta de auto-cuidado, auto-preservação e auto-controle. A mais perfeita inabilidade de projetar um futuro fazendo da vida um vôo kamikase. A ausência de compreensão de que quando ele se fere, a dor é partilhada com os que o amam. Aquela visão míope, quase cega, que ele possui sobre si mesmo e que o reduz a uma partícula ínfima perto da imensidão que ele verdadeiramente é. E, apesar disso, eu o desejo. E desejo de forma que ele não compreenderia.

Desejo esse desejo de mais, essa pressa sem fim, aquele cheiro que fica nas minhas roupas e no meu corpo sempre que ele me abraça. Os beijos sem língua tão duradouros e ternos que provo de olhos fechados sem lascividade alguma, sempre tão envolta em um romantismo de filmes de época, mesmo que, às vezes, sinta vontade de mais, de ir além, de perceber nuances que só outros beijos são capazes de evocar.
Eu o desejo.
Desejo minhas mãos envolvendo seu rosto enquanto nos olhamos naquele silêncio em que nada dizemos e tudo é dito em um franzir de cenho agressivo com olhos em chama de raiva ou com um esmaecer de sorriso.
Eu o desejo.
Desejo em cada abraço longo em que sou envolvida entre braços e mãos e pele e um pouco de saliva que me dão a mais perfeita sensação de sou dele, daquele momento, daquele amor que lógica ou racionalidade nenhuma seria capaz de explicar.
Eu o desejo.
Desejo ser embalada sempre e mais, porque quando dançamos o primeiro passo é só o desencadear de outros tantos, em qualquer ritmo, onde quer que estejamos.
Eu desejo aquela pele branca, aquele ar irresponsável, o cheiro de cigarro que fica impregnado em meus cabelos, roupas e no gosto dos seus lábios. Desejo aquela voz branda que massageia meus ouvidos sempre que conversamos em cada fim de noite. Desejo, antes de tudo e para além disso, essa paz que invade minhas entranhas e me faz plena, apaziguando minhas guerras, desarmando meus fantasmas de uma forma tão avassaladoramente sã e assustadoramente terna que nada mais necessito do que aquela presença.

Eu sei que isso amor. Aprendi o que era. Nele, em nós, em mim, nada é obrigatório, tampouco proibido. Cada olhar tem uma carga de honestidade que não pode ser medido. Cada beijo, o sentimento do mundo inteiro. Em nosso silêncio encontramos respostas que nossas palavras não são capazes de verbalizar. Em nossa amizade tão afável e inteira, achei meu cavaleiro andante que montou em meu cavalo e seguiu comigo. E porque eu sei que isso é amor, eu não peço nada, absolutamente nada, em troca, porque ele, generosamente, me dá muito mais do que eu preciso.

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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Arrebentação




Ao meu Sol do Entardecer
DEDICO



Trilha Sonora Sugerida "Time after Time" versão Eva Cassidy




[...] aquela noite chegou com promessas de tempestades. Desliguei as luzes da casa inteira e abri todas as cortinas. Vestia as roupas molinhas que usei durante aquela tarde quando ele esteve presente e se foi junto com o sol quando se pôs. Durante semanas nada soube dele. Nem emails, ligações ou um mísero sinal de vida. Respeitei. Aliás, eu vinha sendo compreensão numa proporção impensável para as minhas urgências. Antes de partir ele me olhou nos olhos, enroscou os dedos em meus cabelos, beijou-se a testa e se foi. Eu não pedi que ficasse. E hoje, por algum motivo, todas essas lembranças voltaram a tona, deixando no ar o gosto daquele vinho e o cheiro da pele dele... "São só lembranças", repeti em voz alta para que os ecos perpetuassem minhas palavras. Trouxe uma taça e uma garrafa de vinho e os pus no chão. Alimentei a lareira com um pouco de madeira seca e algumas lascas verdes. Adoro os estalidos que a madeira jovem faz quando arde nas chamas. Voltei para o sofá, os pés descalços no chão frito. Sentei-me no sofá, me cobri com uma manta e trouxe a taça para perto. Das vidraças que iam do teto ao chão eu observei com uma leveza a tempestade que se formava, com ventos se debatendo nas árvores e na força das águas do mar se chocando na arrebentação. Aquilo me trouxe uma tranquilo inexplicável. Era muito consolador saber que a devastação era lá fora e não aqui dentro de mim. Ao fundo, Time after Time tocava repetidamente, como se só houvesse essa canção na face da Terra que pudesse me fazer companhia. Dei um gole demorado no vinho na tentativa de ficar dormente e adormecer ali mesmo. Isso não aconteceu. Ao me debruçar para encher a taça novamente, vi um vulto na escuridão, caminhando na areia da praia, debaixo daquela água que se lançava do mar para a praia e dos céus em direção a areia. Meu coração acelerou e corri para checar se todas as portas e janelas estavam fechadas. Quando peguei o telefone para discar o número da empresa de segurança, reconheci aquele rosto quando um relâmpago se lançou em direção ao mar e tudo clareou. Era ele. Pensei em uma infinidade de coisas, mas, nenhuma delas prática. Corri em direção a porta novamente, mas, dessa vez minha urgência era abrir todas as trancas. Não sei porque tive tanta pressa e não tentei entender. Quando pus o pé na varanda, ele se lançou correndo em minha direção e me abraçou com tamanha força que fiquei sem ar. Perguntei tanta coisa ao meu tempo que nem eu mesma consegui assimilar. Ele nada respondeu. Permaneceu ali, inerte, abraçado a mim como a uma tábua de salvação. Vendo que não conseguiria nada naquele momento, comecei a dar passos para trás e ele me seguiu, ainda abraçado em meu corpo. Fechei a porta com o pé e senti minhas roupas e meu corpo encharcados. Pedi que ele tirasse aquela roupa que eu pegaria outras secas. Ele não se moveu. Ficou ali, abraçado a mim e com a cabeça enterrada em meu pescoço. Resolvi afastá-lo empurrando-o delicadamente pelos ombros. Ao vê-lo, sob a luz do fogo da lareira, quase choro. Ele estava em pé, completamente molhado e cabisbaixo, rosto marcado de quem tinha tinha chorado horas intermináveis. Era a imagem da desolação. Caminhei em sua direção, me pus atrás dele e tirei suas roupas. Peça por peça, até deixá-lo nu. A pele tão branca e fria. Tive vontade de abraçá-lo daquele jeito e apertá-lo contra meu corpo, mas, não fiz. Peguei a manta que tinha abandonado no outro sofá e o envolvi como quem envolve uma criança que acabou de sair do banho. O sentei no sofá perto do fogo, corri para a vidraça e peguei a taça esquecida no chão. Abri as mãos dele e a coloquei dentro, sem pedir que ele segurasse. Dei uma passo para trás e fiquei observando-o. Rapidamente fui ao quarto e depois de tirar as roupas molhadas, vesti um sueter branco. Voltei para a sala, sentei no sofá encostada em algumas almofadas e o coloquei entre as minhas pernas e o envolvi em meus braços. Ele se aconchegou em meu corpo, mas, nada disse. Nada perguntei, também. Dessa vez fui eu que o abracei como se ele pudesse sair dali correndo para nunca mais voltar. Beijei-lhe a testa repetidamente enquanto as lágrimas percorriam minha pele...

Não sei precisar quanto tempo ficamos ali. Eu não tinha pressa para perguntar nada, mas, queria que ele falasse algo. Que gritasse, chorasse compulsivamente ou que quebrasse algumas coisas para extravasar aquela dor que eu sabia que ele estava sentindo, mas, ele nada fez. Vez por outra mudava sua posição em alguns centímetros, segurava minhas mãos com força, depois com delicadeza, para depois apertá-las até meus dedos doerem. O frio foi passando aos poucos e a sensação de paz começou a pairar no ar. "Tive medo que você não estivesse mais aqui", ele falou do nada, baixinho, com voz embargada. "Tive tanto medo". Silêncio longo. "Caminhei por horas, mas não queria estar em qualquer outro lugar que não fosse aqui". Ele continuou. Falou ininterruptamente sobre as escolhas erradas que fez e sobre todas as pessoas que ele fez sofrer. Enquanto ele falava, eu vi algo que ele nem percebeu. A cada palavra dita, cada soluço sufocado, cada suspiro longo, o menino que outrora invadiu minhas noites caminhava para longe daquele homem deitado entre as minhas pernas. O meu menino cresceu. Toda a dor que ele sentia o fez perceber que atos tem consequências e elas agora batiam na sua porta às seis da manhã para cobrar os custos dos seus investimentos mal feitos. Quando esgotou cada palavra que podia ser dita, ele disse "terminei" e silenciou. Durante todo aquele momento em que ele falou, eu era ele. Sua dor, arrependimentos, lágrimas. Mas, quando o silêncio voltou, eu era eu novamente. Eu com todas aquelas sensações misturadas com o sangue que percorria minhas entranhas em uma velocidade alucinante. Eu quis fazer amor com ele. Quis deseperadamente. Ali no chão, sem muito jeito, com toda a força que eu sentia e com toda a fragilidade que ele aparentava. Eu o quis dentro de mim, já que eu não podia estar dentro dele. Quis fazer amor enquanto lambia sua feridas, enquanto cuidava dele, enquanto tudo aquilo que eu estava sentindo não se acalmava e voltava exatamente para onde estava um pouco antes de eu tentar encher aquela taça novamente. Me sentia como aquela pedra na arrebentação que era açoitada violentamente pelo mar em fúria. Mas, nada fiz. Nenhum músculo movi. Disse baixinho em seu ouvido: "vai dormir, menino, que eu cuido de você. Amanhã quando você acordar, essas águas que se degladiam lá fora terão lavado você e levado suas dores e esse menino que está entre as minhas pernas vai se levantar como um homem". Mexi em seus cabelos até ele adormecer. Quando senti a paz dele, fechei meus olhos para encontrar a minha.
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Entardecer...


Ao meu Sol do Entardecer
DEDICO
Trilha Sonora Sugerida "Quando", de Neri per Caso

Era uma tarde morna como outras tantas de início de primavera. Das vidraças da sala que dava para enorme varanda eu podia ver o não-fim daquelas águas azuis e calmas do mar. Um vento leve penetrava nas frestas de uma portícula entreaberta. Silêncio bom só quebrado por alguns acordes de violão sendo dedilhados mais ou fundo, atrás de mim... Recostei na parede apoiando o pé direito na parte interna da outra coxa. Erguei uma taça de vinho tinto que ele trouxe e beberiquei um gole tímido.
Vestíamos roupas leves e brancas, molinhas, para abrandar a temperatura da pele tingida de vermelho pelo sol causticante da manhã. A sombra, o vento, aquele silêncio todo eram bem-vindos como estrelas bordando o tecido da abóbada do céu em noites sem chuva.
Ele largou o violão no sofá e caminhou em minha direção ainda pronunciando uma combinação palatável de sons e letras, a procura do tom certo que não chegou aos seus dedos. Como de costume, veio por trás e recostou a cabeça em meu ombro direito... Sempre fazia isso quando não tinha o que dizer ou tinha muito para gritar mas não queria ser lido ou tinha medo de seus olhos não se fazerem cúmplices dele... ele era tão óbvio no silêncio... Enganava muito mais quando falava ou gesticulava. As mãos, as palavras e os olhares sempre o levavam para caminhos tão diversos que facilmente me perdia nessas leituras...
Deslizou as mãos pelos meus quadris e me abraçou apertado. Não sei se ele esperava que eu falasse algo, mas, nada disse. Só fechei os olhos e pus a taça sobre uma pequena mesa. Apoiei uma das mãos sobre as deles e caminhei com a outra até a sua nuca. Não sei se o o silêncio o incomodou mais do que o tom não achado e ele ensaiou algumas frases em meu ouvido com voz tão pálida e branda que dei um suspiro baixinho.
Talvez por isso ele fosse o meu Sol do Entardecer... silencioso e envolvente... nem quente como o sol do meio dia e nem frio como a lua da meia da noite... temperatura, timbre, afagos e entregas na medida exata, como um Dom Juan lapidado por muitas camas e mãos. E quando outrora ele achou que isso se fazia menos para torná-lo deliciosamente desejável, com a toda a cacofonia que essa dupla traz em si, eu arrisquei dizer, entre lábios, que aquele era seu charme.
Ele teria concordado comigo, se pudesse me dizer isso, que as camas foram leitos cravejados de espinhos e as mãos caminhos ladeados por delicadas pétalas de rosas... as mãos certas foram abandonadas a própria sorte no meio do caminho e as camas erradas foram muito mais presentes do que o cigarro que se fuma depois de um sexo bom. Ele só esqueceu de entender que camas erradas não são tão erradas assim se fazem de nós as pessoas certas.
Eu teria permanecido naqueles braços e em silêncio pensando sobre mãos e camas por um tempo ainda maior. Dos braços que me envolveram nos últimos tempos, aqueles eram indubitavelmente os mais irresistíveis pela complexidade que deixavam escapar pela pele. Eu jamais diria isso a ele, olhando em seus olhos ou pronunciando essas palavras. Ele era um menino... um menino grande, mas ainda sim, um menino. Jovem e breve como o entardecer que se inscreve em pouco mais de duas horas em um dia que dura vinte quatro.
O puxei pelas mãos, sentei em um dos lances de madeira da varanda e trouxe para dentro das minhas pernas. Seus braços me envolveram novamente, o rosto entre meus seios. Nas minhas costas, abaixo de mim, alguns metros até areia. No horizonte, o sol se escondendo para não ver exatamente o que eu não sabia fazer. Confiei que ele não me soltaria. Acreditei que aquela entrega era verdade. Neguei que aquela presença ia se esvair em pouco tempo. Levei minhas mãos até o seu rosto e o olhei demoradamente. Eu definitivamente não sabia o que fazer e ele também não faria absolutamente nada.
Com os olhos fechados e a cabeça agora recurvada para trás, ele esperou. Encostei minha testa na dele, narizes, mãos firmes em volta de mim. Mãos lívidas gravitando em torno da nuca dele. De olhos abertos, encostei meus lábios bem de leve nos dele... os toquei sorrateiramente com a língua e só depois recuei. O trouxe novamente para meus seios e o envolvi com as pernas... só queria que ele partisse quando o cúmplice daquele beijo velado se fosse. Ele teria dito que eu não queria perder o controle. Eu afirmaria que não podia perder a razão.
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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Reticências



Ao "Meu Overjoyed

DEDICO


Trilha Sonora Sugerida: Soneto do Teu Corpo, versão Leoni




Ele jurou beijar meu corpo sem descanso... Enquanto falava como ia se perder em mim, desenhei mentalmente minha trajetória no corpo dele. Calculei em milímetros o quanto minhas mãos e boca iam passear e o quão deliciosa seria essa viagem. Ele fala coisas que quero ouvir, me devassando como um alguém que sempre esteve aqui. Cada frase traz implícita em si um desejo que sempre foi meu. Fecho os olhos e sinto o peso desse homem debruçado em meu corpo, me apertando, mordendo e gemendo junto a mim e isso me traz de volta a velha sensação de estar sem ar. Ouço aquela voz tão mansa e olho aqueles olhos tão inofensivos se fazendo melodia que degusto enquanto danço envolta em meus próprios braços.



Ele jurou beijar meus pés e se perder entre meus dedos... Queria reticências no começo e no fim por não saber quando tudo isso começou e para evitar imaginar quando terminará. Quero todas essas leituras em braile, todos os beijos em degustação, todos os olhares em contemplação e todos os abraços em persuasão. Quero saliva salpicada nos meus lábios e seios e cheiro de perfume e cigarro misturados na pele da minha nuca. Quero respiração ofegante e ritmada por sob meus poros.


Ele jurou me cruzar sem mapa e nem bagagem... Eu implorei para que as partes de mim nas quais ele vá se lançar sejam as mais distantes e nessa procura ele demore tempo o suficiente para esquecer que o tempo é tão fugaz. Nessa busca dele, queria minhas unhas dedilhando costas, nádegas e coxas, marcando em vermelho os caminhos que trilhei. Queria aquele queixo enterrado entre os meus seios e os olhos fixados em mim no mais absoluto silêncio de quem não precisa dizer uma palavra sequer para entender o que é desejo.


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Yellow Freedon

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Ao Meu Overjoyed, DEDICO.
Trilha Sonora Sugerida “Menino do Rio”, versão de Caetano Veloso


Ele corria de um lado para outro. Sorriso largo, olhos fechados. Os cabelos em desalinho e as roupas remexiam-se ao sabor do vento. Os pés descalços venciam o chão pisando na grama de onde emergiam delicadas flores brancas. Ele parecia feliz. Não uma felicidade fabricada, pensada. Ele era livre. É livre. A felicidade ali tinha vida própria e ele a convidou gentilmente para fazer parte dos seus dias. Sentei em um banco próximo e fiquei observando aquele garoto se movimentar e as formas de fazê-lo. Desde o primeiro segundo que o vi, esse foi o meu desejo. Tive medos, outrora, de que minhas vontades fossem apenas uma tentativa vã de manipular aquele menino e torná-lo o que eu gostaria de ver, mas, tão rapidamente o vi falar e olhar, percebi que eu jamais conseguiria fazer isso. Emergia dele uma força sublimada e uma candura escancarada que eu não entendia e que me deixavam desconcertada. Ele me emudecia. Tudo nele era muito: os desejos, as palavras, os sorrisos, os abraços e afagos. Perto dele eu me perdia e não conseguia achar espaço para mais nada a não ser a contemplação. Não era o fato de aquele menino ser simplesmente uma construção arquitetônica bela. A beleza tinha nele uma expressão contemporânea muito mais imbricada de uma disparidade que tentava unir a força do Davi e a leveza de Afrodite. Assim o era também a sua presença: levemente doce, como a brisa em um fim de tarde, e agressivamente forte, com os furacões. Sua presença e sua ausência deixam na boca um gosto de desejo e saudade, respectivamente, e eu sabia, no fundo, que aquela colcha de retalhos deveria ter falhas na sua costura, mas, quando ela estava estendida era de tão boa contemplação, que eu não tinha vontade alguma de procurá-las.
Quando sai do transe em que me encontrava, me dei conta de que ele já estava longe. Desceu correndo com uma pipa em punho e aquela imagem do entardecer com os mais variados tons de amarelo moldaram um retrato comovente. Acho, honestamente, que ele não se deu conta de que eu estava observando. E, caso tenha se dado, isso não pareceu fazer diferença alguma.
Quando cansou, voltou para próximo do lago, molhou os pés na água. Deixou a pipa escanteada. O que antes seu objeto de desejo e felicidade, agora não passava de um amontoado de papel e linha. Ficou agachado um tempo, observando o efeito do sol na água, deixando rastros de gotículas douradas. Desejei visceralmente descobrir o que aquele silêncio velado escondia, mas, jamais ousaria perguntar. Sempre tenho medo das ausências, porque elas escondem ou aquilo que não pode ser dito ou que não se sabe existir. O que eu ouviria se ele resolvesse gritar aquele silêncio eu jamais saberei e aquela imagem dele tão contemplativo não merecia ser rompida.
Repentinamente, ele levantou-se. Caminhou em minha direção, agachou-se entre minhas pernas. Tocou meu rosto com ambas as mãos, arrumou meu cabelo que o vento desrespeitosamente desalinhou e me olhou de uma forma tal que eu não poderia descrever. Me senti envolvida por aquele garoto, por aquele menino, por aquele gesto tão generoso e simples. Ele se aproximou mais, esfregou o rosto entre os meus seios e me abraçou. Nada disse. Sem saber o que fazer com minhas mãos, eu o envolvi. Ele se aconchegou no meu colo e depois sentou-se ao meu lado olhando para o lago. Pegou minha mão e a apertou. O que senti naquele momento, não posso precisar. Ele tinha esse dom de me deixar sem palavras. Ele era o dono da mais desconcertante capacidade de remexer as minhas entranhas apenas com o olhar e injetar em mim um furacão capaz de me revirar do avesso no mais absoluto silêncio.

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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

(...)


[...] das certezas que eu tinha na vida, ele era a mais concreta. Das dores que já senti, ele foi a única que me fez silenciar. Postagem sem título, sem dedicatória e sem trilha musical. A imagem, talvez, possa explicar como me sinto e como parte de mim será daqui para todo o sempre.
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domingo, 15 de agosto de 2010

Sob o Efeito "Duplo Red"


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Ao meu Overjoyed.

DEDICO.


Trilha sonora sugerida: Chris Isaac – Wicked Game




02:36. Madrugada de segunda-feira e aqui estou eu. Deveria estar na cama, dormindo, já que trabalho em pouco mais de 4 horas, mas, não estou. Deveria estar trabalhando, já que tenho atividades empilhadas até o teto da minha agenda mental, mas, não estou. Deveria estar pensando no aquecimento global ou em alguma coisa útil, mas, não estou. Toda a minha atividade neuronal está nELE. ELE com todas as letras em destaque, graúdas. ELE que se tornou parte do metabolismo de cada uma das minhas células de 48h para cá. Confesso um leve incômodo causado por esse turbilhão. Nada tão diferente assim da minha homeostase. E se você estiver se perguntando o que ele possui, honestamente, nada que outrora pudesse mexer com as convicções de uma mulher de 30 anos. O fato que é que mexeu e mexeu deixando um gosto diferente na boca...


[...] a sala estava pouco iluminada. Um rastro de luz amarela descia do teto e de alguns pontos laterais. O pé direito era alto e as paredes pintadas gentilmente com um tom palha, muito claro e discreto. Tons pastéis por todos os lados. Cortinas pesadas ao invés de persianas. Mobília bem cuidada e vidro empillhando vidro nos canteiros, no bar próximo à porta. Sofás italianos de escuros contrastavam com tapetes vermelhos e piso de mármore branco. Tudo de muito bom gosto. No alto, um pouco escondido, o responsável pela temperatura ambiente, levemente (e estrategicamente) gélida. Expostos alguns quadros com paisagens impressionistas e gravuras no estilo cubismo. No centro da sala, em cima da mesa menor, um balde de inox com gelo e uma garrafa de Chandon imersa e duas taças altas de cristal postas despretensiosamente ao lado.

ELE chegou em silêncio. Entrou sem que eu pudesse perceber enquanto observava a cidade ao longe, como pontos de luz esculpidos no tecido escuro que as enormes vidraças permitiam enxergar. Nada disse... se recostou no bar apoiando o braço direito na bancada enquanto me olhava silenciosamente. Estava lindo... deliciosamente, desesperadoramente e obscenamente lindo. Vestia uma camisa preta de mangas compridas e sem punhos com três botões abertos no meio do peito. Justa... melhor, justíssima. Não menos que o jeans, também escuro. Os pés, descalços.

Senti um cheiro diferente no ar. Fechei os olhos, joguei a cabeça um pouco para trás e inspirei com leveza e profundidade. Misturados no ar, um cheiro levemente ocre, amadeirado, com tons de canela e vinho. Era ELE... Tão rápido percebi, me virei e não tive tempo de dizer nada. Ele sorriu e acenou gentilmente com a cabeça. Em qualquer outra situação eu teria levantado para cumprimentá-lo, mas, minhas pernas, ou melhor, o controle que até então eu tinha sobre elas, não me permitiu fazer qualquer coisa que fosse. Assenti com a cabeça, sorri e baixei os olhos.

ELE caminhou em minha direção, puxou uma cadeira sem braços e sentou-se na minha frente, a menos de meio metro de mim. Olhou para a garrafa de Chandon e disse: "comprei pra você... sabia que gostava"! Sorri só com os lábios e continuei nada fazendo porque agora, além das pernas não responderem mais, as mãos também não, como num mais perfeito blackout. ELE serviu a bebida e por um segundo fui ofuscada pelo brilho que se dissipou quando as taças foram tocadas pela luz. Fechei rapidamente os olhos e, quando abri, ele segurava uma taça em minha direção. Tentei segurá-la, mas, era notório o tremor das minhas mãos. Ele riu e disse: "mas você nem começou a beber e já está assim?". Sorri completamente desconcertada e só aí percebi que até a voz havia desaparecido. Continuou: "eu seguro pra você" e me serviu o Chandon diretamente na boca. Fiquei tão deslocada que coloquei as mãos entre as pernas. Pronto: eu tinha acabado de assinar o meu mais definitivo atestado de timidez. "Queria ouvir alguma coisa", disse rapidamente, sem muita convicção. Ele levantou, pôs a mão no queixo, depois as passou pelos cabelos e repetiu: "noite de lua cheia... Clair de Lune, o que acha?"... Respondi: "perfeito", sem nem saber que versão ele usaria. Qualquer coisa estaria bom naquele momento.

ELE ligou o som baixinho e, quando a música começou a tocar, fechou os olhos, se envolveu em seus próprios braços e ensaiou uma dança. Permaneci em silêncio só observando. Rodopiou até parar atrás de mim... curvou-se por cima do sofá e disse próximo ao meu rosto e ouvido: "dança comigo?". Quando me virei, sua mão direita estava estendida por cima do meu ombro. Olhei pra aquelas mãos tão perfeitas e quase disse: "não posso, não consigo me levantar". Pressentindo isso, ELE deu a volta, me puxou e, exatamente como no outro dia, me apertou contra si. Esfregou seu rosto no meu, ensaiou um beijo no meu pescoço, mas, só sentiu o meu cheiro. Colocou os dedos por entre os meus cabelos e segurou com força. Esmaeci. Era a mesma sensação de quem bebe descontroladamente red bull e red label, o que chamo de efeito duplo red. Minhas pernas não respondiam às investidas dele. Quando vi que não conseguiria mesmo disse: "não posso"! ELE não me soltou. "Não posso", repeti. "Mal consigo me manter de pé". Com a outra mão, ELE me segurou pelo queixo e disse: "eu não vou a lugar algum".

Na mesma velocidade que costumava usar, ele me arrastou por quase dois metros pela sala sem que eu sentisse o chão embaixo de mim. Ou eu estava dormente, ou ELE estava mesmo me carregando. Só paramos na parede. "Também descobri que além de Chandon seu fraco são as paredes", disse sussurrando no meu ouvido. Num lapejo de lucidez percebi que Clair de Lune já não tocava mais. No seu lugar, Wicked Game , na versão inconfundível de Chris Isaac. Tentei respirar e não conseguia. De novo, aquela sensação de estar sem ar. Queria tanta coisa e não conseguia pensar em nada objetivo.... não dava tempo! ELE não me deixava margem para mais nada a não ser desejá-lo.

Arrumei forças vindas de não sei onde e tentei me desvencilhar. ELE me beijou. Rápido e profundamente. Sentia sua língua escorregar pela minha boca, me sugando os lábios, puxando meu cabelos pela nuca e a outra mão apertando as minhas coxas com tanta força que eu sabia o que veria no dia seguinte: hematomas por todos os lados. Quanto mais eu tentava respirar, mais ELE me apertava e beijava e roçava seu corpo no meu. Mais uma vez tentei. Usei toda a força e convicção que achei ter e me soltei, segurando-o pelo braço e o empurrando contra a parede. Não sei como consegui segurar aquele homem de mais de 1,85m. Aliás, sei: ELE se deixou segurar! O apertei e encostei meus lábios no seu ouvido: "vi e ouvi você a noite toda... sei que você percebeu quanto poder tem sobre mim e acredite: eu reluto desesperadoramente contra isso. Deixa eu te ensinar uma coisa, garoto, também sei coisas sobre você e isso me deixa em pé de igualdade"... Coloquei a mão por dentro da sua camisa e subi meus dedos esfregando minhas unhas pela pele do abdômen até chegar ao peito. Continuei subindo a mão e segurei o queixo. Puxei com força seu rosto para o lado e o beijei! Quanto mais beijava, mais ELE tentava se virar e mais eu o apertava. Desci a mão por cima da calça jeans apertada e passeei por todo o seu corpo, parando dentro da calça e apertando a bunda. ELE usou mais força e conseguiu se soltar... me jogou novamente contra a parede, dessa vez com mais força, me puxou pelos quadris e me ergueu do chão. Abracei seu corpo com as minhas pernas e pus meus braços em torno do seu pescoço. Senti seu sexo quente encaixado em cima da minha calcinha. ELE me olhou... "Quero você", disse com toda a convicção do mundo. "Eu quero você... quero desde o primeiro dia que te vi. Quero de todas as formas, do seu jeito, com força... quero que me morda, que me segure... quero agora".

Ele me levou para o quarto... de lá, nem sei que horas eu sairia. Se pudesse escolher, francamente, só depois da eternidade [...].


04:30 da manhã. Já que não consegui dormir, vou tomar um banho. Mais uma semana começa e agora carrego comigo mais um dos meus lascivos pensamentos. A diferença é que, dessa vez, esse pensamento tem nome, cor, cheiro, voz, contornos dos mais deliciosos e eu sou nesse momento, honestamente, a pessoa mais imersas nos próprios desejos, desejos esses que corroem as minhas entranhas, como jamais outrora pude experimentar.



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sábado, 14 de agosto de 2010

De olhos fechados...



Ao Overjoyed que me ensinou a real sensação de "ficar sem ar"...
DEDICO
(Trilha sonora sugerida"Overjoyed", versão Alcione)
Olhos fechados... não precisava de luz ao meu redor ou imagens para descrever aquelas sensações... sentia-me sendo jogada deliciosamente de um lado para outro, sem solavanco algum, por ondas de águas mornas. No ar, música ensurdecedora, cheiro de perfume e cigarro e diversas possibilidades. Adorei aquele corpo, aquelas mãos, aquelas forma de olhar como quem despe o outro. Estive nua a noite toda para ele. A cada investida para tentar me dizer algo e conseguir vencer a barreira do som ambiente, mãos deslizavam pelas minhas costas e lábios tocavam ora meu pescoço, ora meu rosto. Vontade de arfar, de devolver aquele olhar. Eu não podia. O lugar não me permitia, as pessoas não me permitiam, o bom senso não me permitia e a minha concentração, que aquela altura da noite já deveria estar escondida em algum recôndito inóspito do meu cérebro, não me servia de cúmplice. Deixei a música me invadir. Fechei os olhos novamente e as batidas melódicas germinavam passos compassados, que me davam vontade de rodopair sozinha, em off para tudo aquilo que me cercava. Mas, os olhos fechadas me traíam sempre. Novamente aquelas imagens daquele corpo, olhos, sorriso e mãos se misturavam com o cheiro do cigarro, de perfume, da bebida e tudo o que eu desejava era uma mesa e um pouco de silêncio para mostrar o quão habilidosas minhas mãos são. Compreendi, naquele momento, o que exatamente significa a palavra desejo e entendi que a minha vida toda a usei de maneira inadequeda. De repente, sem que eu realmente pudesse perceber, um braço me envolveu pela cintura e me puxou para perto de um corpo. A força e a velocidade foram tamanhas que senti meus seios se chocarem contra aquele peito e meu lábios roçaram nos dele. Não ousei abrir os olhos para identificar o meu raptor. Reconheci pelo cheiro, pela forma como me apertava insistentemente, fortemente e deliciosamente contra o seu corpo. Até o fim daquela música que poderia ter durado um pouco mais que a eternidade, mãos deslizavam nas minhas costas, quadris, subiam pela nuca, me apertavam contra o corpo dele... seu rosto se esfregava no meu e um novo aperto me puxava para junto dele. Poderia resumir a sensação: sem ar. Não conseguia respirar. Em silêncio, ainda de olhos fechados, deixei que ele me guiasse, que me apertasse e que fizesse tudo o mais que desejasse naquele momento. Estava entregue. Perdi o controle da situação, perdi a razão, perdi a vontade de sair dali e, principalmente, vasculhei minhas entranhas em busca de algo, qualquer coisa por mais ínfima que fosse, que me injetasse, por uma fração de segundos, um decigrama de bom senso para me desvencilhar, mas, a única coisa que consegui pensar foi em Overjoyed. Tudo o que queria era devolver cada investida, empurrá-lo com força contra a parede até ouví-lo deixar escapar um gemido que deflagrasse todo o resto. Queria aquela boca na minha, mãos me segurando pelo cabelos, minhas unhas cravadas naquele peito e apertos nas coxas, braços e bunda que deixariam hematomas no dia seguinte. Queria medir forças, minha coxa entre as pernas dele, minhas roupas rasgadas pelo chão e aquele homem me mostrando sem se esquivar, tudo o que ele deixou implícito a noite toda. Para meu alívio, com a mesma velocidade que ele me tomou para si, ele me deixou no meio do caminho. A música terminou. Abri meus olhos e consegui recobrar a lucidez que perdi logo no início da noite, quando de olhos abertos enxerguei os olhos dele e fechei os meus para não ver mais nada.
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segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Outro [Dust in the Wind]


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Ao "Dust in The Wind" que ainda não consegui Decifrar
DEDICO
Sugestão de Fundo Musical: Dust in The Wind [Scorpions]




Noite de Lua Cheia. Sentada na areia do meu Santuário, esfreguei os pés nas pequenas gotículas sólidas que envolviam minha pele e dedos. A Lua, que nesta noite se lançava nos mais diversos tons de dourado, acariciava a água que parecia se incomodar porque hostentava pequenas e furiosas ondas que se degladiavam no médio mar, formando arabescos que se se uniam, separavam e voltavam a se unir formando uma espuma discreta.
Ele chegou. Dust in the Wind. Envolveu meu corpo com tons mornos, inundando meus poros com um sabor salgado. Revirou meus cabelos, sacodiu minhas roupas. Fechei os olhos para sentir. Quando não consigo ver o que me toca, apago as luzes ao meu redor. Encontrei paz vindo do barulho que emanava dele. Silêncio... Silêncio.... Paz!
Há quanto tempo não me perdia em mim mesma porque meus fantasmas fixaram moradia nas minhas manhãs e no meu sono, ocupando meus ouvidos, memórias com uma insitência indelicada. Dust in the Wind... Silêncio... O mar aquietando-se, meus olhos fechados, o calor morno me envolvendo, o tom dourado... Silêncio. Cabelos revirados, roupas desalinhadas, sorriso nos lábios. Dust in the Wind.
Olhei para Ele e nada vi. Supus doçura, porque era assim que Ele me tocava. Imaginei proteção, porque era assim que ele me olhava. Rezei por honestidade, porque era assim que eu precisava. Desejei afeto, porque era isso que me acalmava. Implorei por verdades e continuei não vendo nada.
Queria sentir. Não nos cabelos, na pele. Queria furacão vasculhando minhas entranhas, se fazendo parte de mim, esmiuçando minhas células, me impregnando daquilo que eu não entendo, mas que queria enxergar para entender.
Dust in the Wind.
Ele tocou meu rosto, olhou nos meus olhos. Disse que era verdade. Pediu confiança. Queria sentar ao meu lado e segurar minha mão. Silêncio longo... paz gostosa de sentir... calor que afaga, olhos que aquecem. Dust in the Wind.
Antes que Ele fosse embora, abri meus olhos e desisti de entender. Deixei que ele tocasse minhas mãos, que se fizesse companhia. Contemplei a noite e o vi se afastar. Ele não foi egoísta, pois deixou o silêncio comigo. Tudo o que precisava e que ele jamais soube que era o que eu mais procurava. Dust in the Wind era sinônimo de mistério. Mas, o que era tão importante no mistério que poderia me fazer recuar e me afastar da paz?
Dust in the Wind. Talvez por isso tão assavalador na sua singeleza e delicadeza. O meu tormento agora era a paz.
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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Das Entranhas - Lasciva





[...] naquela noite ela saiu de casa sem intenção alguma. Queria bebericar qualquer coisa entre o amargo e o doce. Entrou no velho de bar de sempre, sentou-se na mesma mesa. Remexeu na agenda do celular para ver quem poderia fazer companhia. Seriam conversas entediantes ou os mesmo assuntos de trabalho. Ela não precisava disso...
Ainda era segunda-feira e ela já se sentia imersa em todas as “feiras” que os dias de semana têm. Olhou ao redor e nada interessante. Pediu um vinho do porto... adorava a sensação adocicada e densa do vinho gelado deslizando entre a língua e escrevendo o caminho até o estômago. Cruzou as pernas e ficou observando alguns minutos os sapatos... nem ela mesma acreditava que um par daquelas coisas pudesse custar tão caro. Olhou as unhas... retocou a maquiagem ali mesmo na mesa, entre uma pincelada de rímel e outra de batom. Refletido no canto esquerdo do espelho da maquiagem ela percebeu um garoto a observando. 20... 24 anos... não mais que isso. Calça jeans, camiseta preta justa no corpo e boné. Sentado em uma cadeira alta, ele ergueu uma taça em direção a ela. Sem nenhum tato, ela virou-se. Observou aquele menino de cima a baixo, apreendendo cada detalhe. Pensou nas possibilidades...

“[...] de repente, não mais que de repente, os dedos dele se enovelaram entre os cabelos dela. Que ousadia, ela pensou. Fiz escova hoje. Quem esse garoto pensa que é. De fato, talvez nem ela mesma estivesse preocupada com isso. Ele não disse absolutamente nada, apenas segurou seu rosto e a beijou. Um beijo forçado, entre línguas, com corpos comprimidos contra uma parede. Relutando nas suas intenções de sair dali, mas sem nenhuma vontade física de fazê-lo, ela esboçou uma reação. E antes que ela pudesse fazer alguma coisa, as mãos dele deslizavam pelas coxas dela, tornando-se uma interface entre sua pele e a saia. Numa reação instantânea ela segurou as mãos dele. Ele a olhou... só olhou. A apertou ainda mais contra a parede e ela deu um gemido baixinho, mas, audível o suficiente para acender o alarme dele. Ele sabia que as cartas estavam na mesa... ela sabia que aquele era um caminho sem volta. Com uma agilidade indescritível ele a virou. Agora ela podia sentir o peito dele em suas costas, seus quadris encaixado nos dele. Ela não relutou mais... fechou os olhos... arfou... sentiu o chão desaparecer e quando pensou em perder os sentidos, sentiu suas mãos serem apertadas contra a parede acima da cabeça e outra deslizar por sua nuca, puxando seus cabelos para cima. Ele seu aproximou... insinuou um beijo, uma mordida e recuou. Ela tentou imaginar o que ele estaria pensando... teve vontade de implorar, mas, nada disse. Ele tentou novamente, mas, dessa vez deslizou a língua pela nuca, mordeu levemente a orelha. A boca dela salivava... queria aquela língua com força em sua boca, mas, novamente calou-se. Ainda sem dizer uma palavra sequer, ele soltou os pulsos dela, que esmaeceu. De olhos fechados, não esboçou nenhuma reação. Ele subiu a saia até a altura da cintura, puxou a calcinha e num golge rápido, que a fez balançar, rasgou-a. Seus pedaços caíram no chão instantaneamente e, do que sobrou dela, só era possível ver alguns fragmentos de renda preta. Ele puxou a blusa de seda branca e passeou com seus dedos em seu corpo, apertando os seios dela com força até sentir a pele eriçada. Ela, já completamente entregue e com a voz embargada, pediu: faz! Ele mordeu-a com força... mais uma vez ela implorou: faz, por favor, faz!
Num estalido causando por uma taça que quebrou na mesa ao lado, ela saiu do transe. Voltou-se para a sua mesa e afastou aqueles pensamentos. Ergueu a taça de vinho do porto na direção dele e degustou com prazer o último resíduo de vermelho ocre. Largou uma nota de vinte reais na mesa e saiu. Ele é só um garoto... só um garoto! A última coisa que ela precisava naquela segunda-feira era um problema de vinte e poucos anos e um par de olhos verdes que a deixaram trêmula a ponto de precisar firmar os passos antes de entrar no carro e voltar para casa com uma garoa tímida que acoitava os vidros do carro.
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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Alguns Fragmentos das Muitas Partes de Mim...

15:30h.
"Corre, você está atrasada". Ela remexe na bolsa procurando um batom, passando rapidamente a mão para arrumar os cabelos. "Corre"... Maldito subconsciente que de tão consciente poderia vociferar e ela ouvir sua voz ecoando nos corredores que ela atravessa velozmente. Sobe as escadas pisando os degraus com força e deixando no ar o som dos saltos de seus sapatos comprados em alguma loja de shopping num fim de noite de um dia de semana qualquer. Enquanto caminhava ela pensava em cada detalhe sobre os quais teria que se debruçar naquela tarde enfadonha, com céu nublado e aquele calor pesado dos trópicos que parece ter vida, tamanha a força de sua presença. Ela queria um café, mas, desistiu logo em seguida imaginando que aquela não seria a bebida mais adequada para um dia como aquele... O que a salvaria naquelas horas que se sucederiam seriam o ar-condicionado da sala, a água gelada bebericada a grandes goles e o encontro com algumas das inúmeras partes dela.
No final do corredor ela encontrou cinco das muitas partes de si. Por um segundo pensou, com um breve sorriso esboçado no canto dos lábios, na melhor forma de dar uma identidade para cada uma daquelas pessoas... se eles eram partes dela, que pudessem ser personificados como tais. A primeira dessas partes ela chamou de Mãos, pela dualidade quase díspare que elas possuem: a força e o cuidar. De presença forte, opiniões firmes, mesmo que nem sempre tenha certeza de que aquela é a melhor das escolhas, ela segue adiante com a fúria de uma tempestade com enorme potencial para destruir, mas também para encantar. Ao mesmo tempo, as Mãos transformam-se em uma brisa leve que afaga, que remexe os cabelos, que aconchega. Ela era Mãos e não há uma forma melhor de defini-la. Estar ao lado dela é como ouvir um rock que nos faz sacolejar, sem tempo para respirar ou parar, em uma overdose sobreposta de gestos e falas.
Ao lado das Mãos estava o Sorriso. Com ele, cada segundo é mais uma oportunidade para mexer todos os músculos da face. Nada passa despercebido. Palavras, lugares, lembranças são transformadas por ele com uma retórica muito singular, impregnada de uma ingenuidade inteligente ou de uma inteligência ingênua. Acho que nunca conseguirei estabelecer a verdade face do Sorriso. Ele, como os sorrisos, aparece em todos os momentos, desde os mais alegres ao s mais tristes. Parece que Sorriso escutou Smile de Chapplin a sua vida inteira e fez de lábios com bordas voltadas para cima e dentes a mostra uma filosofia de vida.
Depois, sentiu a Pele. Sim, a Pele e não na pele. Ela, a Pele... visceral, passional, com receptores de feeling espalhados em cada milímetros de sua extensão. Ela, com imensa capacidade ser sentir, de se doar, de amar e de se machucar, como todos aqueles que preferem ver a pele arder por ficar expostos ao sol, do que ter que amargar uma cor insossa de inverno europeu a vida inteira. Ela traz em si cicatrizes dos que se jogam no abismo quando acreditam que em queda livre tudo tem um sabor de aventura e a fluidez da leveza.
Depois da Pele, ele, o Cérebro. Ela sabe como é deliciosa a presença dele, com aquela inteligência crua, envolvente e envolta naquele olhar tão próprio, sorriso cativante e abraços tão tentadores de menino quase homem ou, quem sabe, homem disfarçado de menino. O bom mesmo é que nele, no Cérebro, tudo é tão rápido como é a velocidade das sinapses... cada palavra vem encharcada uma linguagem que oscila entre perguntas e teorias, o que a deixa zonza, por vezes, paralisada, buscando as respostas para permanecer naquele embate tão estimulante. Ela gosta da sensação de estar no controle dela ou no jogo dele, apenas possível quando duas pessoas vaidosas e inteligentes se enfrentam em um embate amistoso.
Quando o corredor finalmente termina, ela encontra a quinta parte dos fragmentos dela que estavam espalhados naquela tarde. Era a parte mais complexa, heterogenia e contraditória. O Coração... essa denominação, por si, já o resumiria. Tal como a Pele, o coração é passional, visceral. Mas, onde ele está que não fala? Onde ele está que não se mostra? Onde ele está que não sabe gritar? Que coração é esse que vive nessa aparente quietude de mosteiro, ao mesmo tempo em que ferve dentro de uma panela de pressão, com idéias e sentimentos que saltam pelos poros? Ninguém enxerga coração, porque nem sempre ele vocifera. Talvez por ter enxergado o que a maior parte das pessoas apenas vê, ela o tenha guardado dentro de seu próprio peito para poder cuidar da preciosidade e da fragilidade intrínseca dele. Dentro das suas câmaras, aquele coração guarda sonhos, dores e amores e ainda resta nele um espaço imenso de vazio que apenas pessoas como ela conseguem enxergar, porque vê corações com os mesmo olhos que se enxerga.

Com eles, o calor daquela tarde ganhara um sentido e ela sabia. Sentido com som, presença com cheiro, olhares que se faziam toques. Amor emergindo das entranhas, povoando os vales abandonados da alma e se fazendo chuva fina caindo de leve no rosto em noites de lua cheia.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Ele... ainda!



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Ele ainda desenha em meu corpo todos os caminhos que outrora trilhei sozinha. Em mim, marcas das muitas noites em claro e dos respingos de lágrimas que se fizeram rios furiosos em dias de tormenta. Amo esse homem com toda a volúpia e luxúria com as quais se é possível amar um corpo entrelaçando nossa alma. O cheiro dele percorre meu corpo cada vez que arfo, como quem busca um fragmento de orvalho suspenso no ar. Meu corpo queima cada vez que os momentos em que não sabia onde minhas mãos terminavam e as deles passeavam sobre a minha pele reaparecem como para aqueles que assistem a um roteiro de filme já repetidamente visto. Busco nos meus labirintos os pedaços que restaram de mim num desespero quase esquizofrênico para descobrir o que restou de quem eu era e o que é possível se fazer com as peças de quebra-cabeça que hoje tenho em comigo. Sim, aquele homem que me teve nas mãos quando corpo e nos olhos em alma ainda grita em cada sonho e desejo que deixei para trás. O amor odiado e o ódio amado se fazem amanhecer nos meus dias e sentam para tomar o café amargo das cinco da tarde que sempre degusto com melancolia. Eu poderia fumar um charuto cubano para acompanhá-lo, mas me amedronta sobremaneira que a fumaça se torne névoa e mais um motivo para eu não enxergar o que está do outro lado. Quando meus olhos se fecham e eu viajo naquele passado recente-distante, ainda sinto o peso daquele homem debruçado sobre o meu corpo, se fazendo marcas e roçando em meus seios aquela pele branca. Ainda desejo aquela língua sugando minha alma e varrendo minhas enseadas, vasculhando cada milímetro das minhas entranhas. Ainda sinto a voluptuosa sensação de "sou dele" mistura a um "apenas até o próximo gemido". O fato é que aquele homem, aquele mesmo das histórias de contos de fadas que estão mais para contos porque as fadas foram censuradas, ainda se faz tempestades no meu corpo. Saudade se tornou lugar comum. Me restaram apenas o café, o charuto cubano se um dia eu resolver fumá-lo, um punhado de sonhos despedaçados e um mapa com inúmeros caminhos que posso seguir. Por enquanto, pego emprestado a poltrona do inconformismo e cruzo as minhas pernas. Vou misturar um pouco de uma bebida qualquer no café. Lucidez é a última coisa que eu preciso nessa noite que até o universo chora e eu posso ouví-la pela janela enquanto escrevo sobre ele... ainda.

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