segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Entardecer...


Ao meu Sol do Entardecer
DEDICO
Trilha Sonora Sugerida "Quando", de Neri per Caso

Era uma tarde morna como outras tantas de início de primavera. Das vidraças da sala que dava para enorme varanda eu podia ver o não-fim daquelas águas azuis e calmas do mar. Um vento leve penetrava nas frestas de uma portícula entreaberta. Silêncio bom só quebrado por alguns acordes de violão sendo dedilhados mais ou fundo, atrás de mim... Recostei na parede apoiando o pé direito na parte interna da outra coxa. Erguei uma taça de vinho tinto que ele trouxe e beberiquei um gole tímido.
Vestíamos roupas leves e brancas, molinhas, para abrandar a temperatura da pele tingida de vermelho pelo sol causticante da manhã. A sombra, o vento, aquele silêncio todo eram bem-vindos como estrelas bordando o tecido da abóbada do céu em noites sem chuva.
Ele largou o violão no sofá e caminhou em minha direção ainda pronunciando uma combinação palatável de sons e letras, a procura do tom certo que não chegou aos seus dedos. Como de costume, veio por trás e recostou a cabeça em meu ombro direito... Sempre fazia isso quando não tinha o que dizer ou tinha muito para gritar mas não queria ser lido ou tinha medo de seus olhos não se fazerem cúmplices dele... ele era tão óbvio no silêncio... Enganava muito mais quando falava ou gesticulava. As mãos, as palavras e os olhares sempre o levavam para caminhos tão diversos que facilmente me perdia nessas leituras...
Deslizou as mãos pelos meus quadris e me abraçou apertado. Não sei se ele esperava que eu falasse algo, mas, nada disse. Só fechei os olhos e pus a taça sobre uma pequena mesa. Apoiei uma das mãos sobre as deles e caminhei com a outra até a sua nuca. Não sei se o o silêncio o incomodou mais do que o tom não achado e ele ensaiou algumas frases em meu ouvido com voz tão pálida e branda que dei um suspiro baixinho.
Talvez por isso ele fosse o meu Sol do Entardecer... silencioso e envolvente... nem quente como o sol do meio dia e nem frio como a lua da meia da noite... temperatura, timbre, afagos e entregas na medida exata, como um Dom Juan lapidado por muitas camas e mãos. E quando outrora ele achou que isso se fazia menos para torná-lo deliciosamente desejável, com a toda a cacofonia que essa dupla traz em si, eu arrisquei dizer, entre lábios, que aquele era seu charme.
Ele teria concordado comigo, se pudesse me dizer isso, que as camas foram leitos cravejados de espinhos e as mãos caminhos ladeados por delicadas pétalas de rosas... as mãos certas foram abandonadas a própria sorte no meio do caminho e as camas erradas foram muito mais presentes do que o cigarro que se fuma depois de um sexo bom. Ele só esqueceu de entender que camas erradas não são tão erradas assim se fazem de nós as pessoas certas.
Eu teria permanecido naqueles braços e em silêncio pensando sobre mãos e camas por um tempo ainda maior. Dos braços que me envolveram nos últimos tempos, aqueles eram indubitavelmente os mais irresistíveis pela complexidade que deixavam escapar pela pele. Eu jamais diria isso a ele, olhando em seus olhos ou pronunciando essas palavras. Ele era um menino... um menino grande, mas ainda sim, um menino. Jovem e breve como o entardecer que se inscreve em pouco mais de duas horas em um dia que dura vinte quatro.
O puxei pelas mãos, sentei em um dos lances de madeira da varanda e trouxe para dentro das minhas pernas. Seus braços me envolveram novamente, o rosto entre meus seios. Nas minhas costas, abaixo de mim, alguns metros até areia. No horizonte, o sol se escondendo para não ver exatamente o que eu não sabia fazer. Confiei que ele não me soltaria. Acreditei que aquela entrega era verdade. Neguei que aquela presença ia se esvair em pouco tempo. Levei minhas mãos até o seu rosto e o olhei demoradamente. Eu definitivamente não sabia o que fazer e ele também não faria absolutamente nada.
Com os olhos fechados e a cabeça agora recurvada para trás, ele esperou. Encostei minha testa na dele, narizes, mãos firmes em volta de mim. Mãos lívidas gravitando em torno da nuca dele. De olhos abertos, encostei meus lábios bem de leve nos dele... os toquei sorrateiramente com a língua e só depois recuei. O trouxe novamente para meus seios e o envolvi com as pernas... só queria que ele partisse quando o cúmplice daquele beijo velado se fosse. Ele teria dito que eu não queria perder o controle. Eu afirmaria que não podia perder a razão.
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